Tornada mundialmente
conhecida nos últimos tempos, a luta pela terra dos guaranis kaiowá do
estado do Mato Grosso do Sul continua sofrendo com a opressão e
violência do latifúndio, inclusive após a ampla campanha de divulgação
de sua calamidade, realizada pelos movimentos indigenistas, militantes e
entidades políticas e sociais solidárias, tanto em fins de 2011 como
2012.
Na esteira do tenebroso saldo de 500 guaranis mortos na última década no
estado, é notória a política de genocídio orquestrada pelo poder
econômico, amparado numa justiça local classista, em campanhas
midiáticas incessantes (inclusive de cunho racista) e lenientes poderes
políticos. O impulso da violência anti-indígena pode ser atribuído
também ao governo federal, entusiasta dos monocultivos e das usinas de
etanol e cana de açúcar, mais de uma dezena delas inauguradas no estado,
inclusive sobre terras indígenas, no período petista.
Dessa forma, os índios guarani do MS seguem encalacrados, constantemente
ameaçados e perseguidos pelos jagunços e milícias dos “empresários” do
campo, que invadiram suas terras e agora formam poderosa articulação
política no sentido de desmontar legislações e direitos favoráveis aos
índios, sempre sob a “imbatível” justificativa do desenvolvimento e do
crescimento econômico.
Feito o preâmbulo, não surpreende que 2013 tenha iniciado sob o mesmo
espectro de violência e morte que marca a vida dos guaranis de hoje. Na
terça-feira, foi descoberto um plano de pistolagem que visava acabar com
a vida de Ládio Verón, cacique da aldeia Takuara, município de Juti,
área de 100 hectares encravada numa fazenda de cana e habitada há oito
anos por cerca de 90 famílias à espera da homologação e desintrusão de
seus 7000 hectares de território reivindicado.
“O mandante é o mesmo de sempre, o Jacinto Honório Filho, que mais uma
vez tentou contratar um pistoleiro pra me matar. A sorte é que a própria
sogra dele descobriu o plano e veio me avisar o mais rápido possível”,
contou Ládio ao Correio, neste mesmo dia, expondo mais essa faceta da
miséria humana, uma vez que o executor em questão seria um indígena
chamado Moacir, morador da própria aldeia, em troca de 600 reais, um
celular, um carro e uma pistola. “A Polícia Federal veio até a aldeia e
foi até a casa do indígena (Moacir), mas ele já tinha fugido”, completou
o cacique, cujo pai, Marco, foi assassinado em 2003 pelo mesmo grupo
empresarial.
“Quem administra a fazenda é o senhor Romão Evangelista, já que o
Jacinto mora em São Paulo. Hoje ficaram aqui a PF e uma funcionária da
Funai. Disseram que vão fazer inquérito, mas não muito mais que isso.
Até agora não tem nada escrito e concretizado”, falou, antes de o
Ministério da Justiça entrar no circuito e começar a articular uma
proteção mais efetiva da aldeia.
Isso porque, ainda na terça, membros do Ministério chefiado por José
Eduardo Cardozo já recebiam os apelos indígenas por mais proteção, além
de uma postura mais firme do governo federal, muito pouco atencioso em
relação aos nossos povos originários nestes dois anos sob Dilma
Rousseff. “Ainda não temos resposta do governo. É simples: a briga é
pela terra e precisamos de segurança. E por enquanto essa segurança não
está garantida”, resumiu Ládio.
Vale lembrar que até hoje a presidente não recebeu índios, de quaisquer
etnias ou conjuntamente, para uma reunião e esclarecimentos políticos a
respeito de sua situação e demandas. “Recebemos os contatos dos
indígenas e acionamos também a Secretaria de Direitos Humanos, que
também acompanha o caso, além da própria PF, pra obter mais informações.
Ele (Ládio) já está no programa de defesa da pessoa, já tomamos
providências pela segurança da aldeia”, explicou ao Correio Marcelo
Veiga, assessor do Ministério, já na tarde de quarta-feira.
Com isso, a Força Nacional de Segurança voltou a ser acionada para fazer
a guarda dos guaranis, porém, com maior abrangência e preparo, a fim de
evitar intimidações e surpresas ante as bem armadas milícias do campo.
“Precisamos de uma avaliação maior da PF e da Força Nacional, para
depois deslocar mais efetivos para a proteção da aldeia”, ressaltou
Veiga, dando a entender que é possível esperar uma maior interferência
federal na questão, após anos de pressão dos movimentos indígenas e seus
apoiadores, que até hoje não esquecem da promessa de Lula de homologar
todas as terras indígenas necessárias.
“A FUNAI é muito fraca e ainda vemos uma troca de acusações contra
outros órgãos oficiais. A PF saiu daqui e ninguém está fazendo
segurança. Não sabemos como está o Moacir e estamos de coração na mão”,
contou Ládio, na noite de quarta, 30, a qual passaram em claro todos os
moradores da aldeia.
Ataques de janeiro
Mas enquanto nada nesse sentido acontece, o latifúndio prossegue em suas
pressões e violências contra os indígenas, especialmente os líderes e
os mais combativos deles. Somente no primeiro mês do ano, outros dois
ataques foram registrados, que por pouco não terminaram em mais mortes a
engrossarem a já extensa lista de vítimas do “moderno e avançado”
agronegócio brasileiro.
Além de incêndios que os bombeiros de Caarapó atestaram como fruto de
ação humana, nos dias 6 e 27, “no último dia 30, Genito Gomes, filho da
liderança assassinada em 2011 Nízio Gomes, relatou ao conselho da Aty
Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – que ele e um grupo de
indígenas sofreram uma tentativa de atropelamento por uma caminhonete
S10 branca. O caso foi denunciado à polícia, que foi hoje ao local
apurar as informações”, revelou o jornalista Ruy Sposati, também
assessor de movimentos sociais.
Na mesma matéria, podemos conferir que “a indígena Adelaide Sabino, do
acampamento Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante, relatou
ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário) ter sido alvejada com quatro
tiros pelo arrendatário da fazendeira que incide sobre o território,
reivindicado pela comunidade como tradicional do povo kaiowá. A indígena
conseguiu escapar com vida do ataque, se escondendo na mata”.
Assim, urge uma atuação federal mais efetiva, uma vez que é de
conhecimento geral que os poderes locais, estadual e municipal, estão
fortemente mancomunados com o agronegócio do MS e inclusive já
levantaram bandeiras francamente anti-indígenas nos últimos tempos,
tendo responsabilidade direta no aumento da violência registrada no
mesmo período.
“Nossa política é complexa, nessa história são muitos ilícitos
envolvidos e muitas responsabilidades a serem compartilhadas. São vários
os responsáveis pela situação, de variados poderes”, acusou Veiga,
expondo todo o tabuleiro de interesses que segue a negar os direitos
indígenas constitucionalmente reconhecidos, endossados por convenções
internacionais assinadas pelo Brasil. “Mas temos equipe e faremos a
proteção deles”, completou.
Hora de respostas concretas
Como se viu no fim de 2012, quando os indígenas anunciaram que iriam
resistir até o fim a qualquer retirada forçada de suas terras
ancestrais, o que chegou a ser erroneamente interpretado como possível
suicídio coletivo, não restam mais alternativas aos governos de plantão,
exceto a aceleração dos processos de demarcação e homologação dos
territórios indígenas, caso queiram realmente cessar o clima de
insegurança e violência que reina na região.
Enquanto isso, Moacir, índio como são aqueles que lutam pela sua terra
histórica, segue foragido, ao passo que Dilma Rousseff roda o país, ora
chorando pelas vítimas da tragédia de Santa Maria, ora participando de
eventos promocionais de governo, como nesta sexta, dia 1º, na qual
registrou a primeira visita presidencial da história a Castanhal (PA),
onde entregou 800 unidades do empacado programa habitacional Minha Casa
Minha Vida.
Após determinar, em dezembro, que a Funai concluísse os estudos dos
territórios guarani kaiowá em disputa, num prazo máximo de 30 dias, não
voltou a se pronunciar sobre o tema, mesmo após o fim do período
determinado.
“O que esperamos é a resposta da Dilma. Ela tem que agilizar o processo
de demarcação e entrega da nossa terra. Continuamos em 100 hectares, mas
temos direito a 7000, como mostraram os estudos antropológicos”,
reitera o cacique, em conversa telefônica desta sexta-feira no momento
em que os habitantes da Takuara são protegidos por duas rondas diárias
da Força Nacional de Segurança, o que aparentemente diminuiu a tensão
interna e o assédio da milícia empresarial.
Publicado originalmente no site Correio da Cidadania e republicado no site Envolverde.
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