A mesa O Papel da ciência frente aos impactos do agronegócio e o direito das populações
juntou os dois temas do Abrascão: desenvolvimento e ciência. Para o
pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia
Humana (Cesteh) da Ensp/Fiocruz, Marcelo Firpo, o agronegócio e a
ciência moderna são armadilhas atuais: “A ciência moderna impulsiona o
produtivismo e torna a natureza uma grande máquina fabril”.
O paradigma da ciência moderna, explicou o pesquisador, foi introduzido
pelo físico italiano Galileu Galilei, que pregava que os movimentos
naturais podem ser entendidos por leis gerais, permitindo a previsão de
cenários. Com o desenvolvimento da Biologia e da Microbiologia, o
cientista francês Louis Pasteur difundiu a ideia de que a natureza —
fonte de caos, doença, perigos — era passível de domesticação. “Foram,
então, produzidas as bases teóricas que levariam aos mecanismos de
controle da natureza”, apontou.
Muitos desses mecanismos acabaram sendo adotados pelo agronegócio, que
utiliza o solo para produção de mercadorias. O exemplo mais comum são os
agroquímicos, expressão do modelo de ciência e tecnologia voltado para
impedir as variabilidades naturais. “Criou-se o conceito de praga,
considerada problemática, quando na verdade as pragas são expressão da
vida”, observou Marcelo Firpo.
O modelo também levou à expansão do monocultivo e à proposta de
eliminação dos povos das florestas e dos camponeses, “que não enxergam a
natureza como uma grande fábrica, mas sim como fonte de vida”. A
relação entre ciência, economia e ambiente, explicou, é um pilar desse
processo, ao ter como foco a maximização de ganhos e a redução de
perdas. “Há uma mercantilização da vida e da natureza, cuja novidade é o
mercado de carbono”.
Os defensores da “revolução verde” argumentam que suas técnicas
aumentaram a produtividade no campo, mas o suposto aumento de
produtividade, ressaltou Firpo, não resolveu o problema da fome no
mundo. “Vemos uma fusão da indústria com a agricultura e da química com a
biotecnologia para tornar a agricultura o novo foco de expansão do
capital”.
Aceitável e inaceitável
O pesquisador avaliou que a atual crise ambiental põe em xeque o poder
da ciência sobre a natureza — o que o filósofo francês Bruno Latour
chama de “reinvasão da natureza no laboratório”. A pergunta que deve ser
feita, segundo Firpo, é: “Como estabelecer objetivamente fronteiras
entre o aceitável e o inaceitável, do ponto de vista de uma ciência
clássica?”. A resposta deve vir da sociedade, disse, e ser incorporada
pela ciência.
Firpo apontou como princípios para uma ciência sensível, sustentável e
emancipatória a refundação das noções de economia, natureza, saúde e
regulação; a humanização e a ecologização da ciência, para que se
reconheçam complexidades; o diálogo entre saberes; o reconhecimento de
limites, incertezas e ignorâncias; e a predominância do interesse
público, com controle do poder do mercado e das grandes corporações.
“Assim, teremos uma economia para as pessoas, com novas escalas,
relações e valores, e cujo elemento central será a solidariedade”.
Relação positiva
A agroecologia é uma alternativa ao agronegócio: propõe uma agricultura
camponesa com relação positiva com o meio ambiente, como relatou o
vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Paulo
Petersen. “Aumentamos a eficiência aplicando os fundamentos da natureza:
a energia da fotossíntese, a manutenção da biodiversidade, a reciclagem
de nutrientes, a conservação das fontes de água, o controle biológico
de populações de fitófagos, patógenos e plantas espontâneas”.
A luta da agroecologia, disse ele, é contra a invisibilidade. “A ciência
ocupa hoje o espaço da Igreja na Idade Média: obscurantismo e apoio aos
impérios”, criticou, em referência a um pequeno grupo de corporações
transnacionais que controlam os sistemas de produção e abastecimento
alimentar. “São corporações sem compromisso com o futuro, que afastam a
agricultura da natureza e negam o conhecimento popular”.
Matéria na revista Radis, edição n° 125, de fevereiro de 2013, publicada pelo EcoDebate, 08/02/2013.
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