quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A educação como caminho

Por Inês Castilho
Precisamos ativar o educador existente em cada um de nós, para viabilizar a transição à sustentabilidade, diz a ambientalista Raquel Trajber
A educação das juventudes – assim mesmo, no plural – é a tarefa mais urgente que temos pela frente, pois delas dependerá a mudança para uma sociedade mais justa e sustentável. “A juventude perpassa culturas, etnias, classes sociais, acesso a bens ou não. Como fazer, junto com as juventudes, a transição para a sustentabilidade?” – pergunta a antropóloga Raquel Trajber nesta entrevista, ocorrida no âmbito da pesquisa qualitativa Política Cidadã, que o instituto Ideafix produziu para o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

“Não precisamos começar tudo de novo, mas potencializar o que tem de transformador na humanidade, os valores que promovem a vida”, diz ela, lembrando não haver um modelo único, mas “várias buscas e experiências de sociedades sustentáveis”. Coordenadora de educação ambiental do ministério da Educação durante sete anos, Raquel está desde 2011 trabalhando com educação informal voltada para jovens no Imas (Instituto Marina Silva), em Brasília.

Para ela, a sustentabilidade – entendida em suas dimensões econômica, social, política, cultural – é incompatível com o capitalismo. “A economia verde é a mesma mulher gorda do neoliberalismo, vestida com outra roupa, de outra cor” – afirma. Raquel lembra que a transição para sociedades sustentáveis não pode ser apenas individual: “Não é aquela história do beija-flor que fica apagando o fogo, fazendo a sua parte. A mudança precisa ser coletiva e, para ser coletiva, precisa mudar a visão de mundo das pessoas”.

A necessária governança global está difícil de ser alcançada, diz ela. “Meio ambiente não tem fronteiras nacionais, e precisa com urgência ser percebido como nossa única biosfera, uma fina camada que mantém a vida no planeta.” Mas ainda temos, no Brasil, reservas que podem nos ajudar a conduzir essa passagem para um futuro: “As culturas populares e as dos povos originários – não a cultura de massa – e a ciência engajada na sustentabilidade podem nos ajudar na transição.” A seguir, a entrevista.


Qual é a sua percepção sobre a participação política dos brasileiros?

As pessoas no Brasil se manifestam em eventos religiosos e se mobilizam por atividades de dança, música, muito mais do que por ações políticas. Foram organizadas manifestações contra a corrupção, mas nem todos participaram presencialmente. No entanto, muita gente assinou a petição da Ficha Limpa. Então, resta estudar o tipo de manifestação política que os brasileiros estão dispostos a fazer, e a forma como isso se dá.

Comparados com as manifestações que pipocaram pelo mundo, como a Primavera Árabe, temos um interesse menor. Foram movimentos diferentes entre si, mas que aconteceram em muitos lugares do mundo. As manifestações na Europa e dos jovens chilenos pela educação pública estão ligadas ao livro “Indignai-vos”, do Stéphane Hessel. Quem se manifesta, em geral são os jovens – e os jovens aqui no Brasil estão pensando em outras políticas.

É difícil de falar de uma juventude só delimitada por faixa etária. A juventude perpassa cultura, etnias, classes sociais, interesses múltiplos, acesso a bens ou não, tudo isso. Como fazer, junto com as juventudes, a transição para a sustentabilidade? Como se constroem os caminhos para sociedades sustentáveis a partir das várias falas, discursos e formas de comunicação?

Que temas você considera capazes de mobilizar a sociedade?

Uma das minhas preocupações é a questão das florestas. Não parece um tema que mobiliza as pessoas, porque é aparentemente distante do cotidiano – ao contrário da Ficha Limpa, pois políticos corruptos provocam muita raiva. Todo mundo é a favor das florestas, mas só se envolvem mesmo algumas ONGs e entidades, estudantes. Do outro lado atuam poderosos lobbies do agronegócio, aqueles que têm interesse pessoal no uso da terra. Esses caras atuam na política por interesses privados, pela concentração privada de renda. Essa é a forma como as elites brasileiras fazem política: concentração de poder e de recursos.

Um tema que acho que vai pegar já já é a profunda desigualdade existente no Brasil. Esta é uma sociedade perversa, que promete um grande consumo a poucos. A maioria não vê possibilidade de entrar no consumo e fazer parte da concentração de renda indecente que existe aqui e em quase todos os países, com raras exceções, como Japão, Escandinávia…

Que canais o cidadão comum, o jovem em particular, tem para atuar politicamente no Brasil?

Essa tendência de uso das redes de comunicação – twitter, facebook – é uma forma de ativismo vinculada à juventude. Agora, resta ver se aqui no Brasil vai ser usada para questões políticas. As outras formas, como o voto, são muito frágeis e incipientes. A democracia representativa no Brasil tem ainda o agravante de ter o voto obrigatório – uma coisa que parece estar fazendo água. A juventude não acredita mais nisso, é muito pouco.

A gente precisa encontrar novas formas de atuação política de fato, o que não é tão trivial, porque a comunicação pelas redes sociais corre o risco de ser extremamente superficial, apenas fogos de artifício. Como é que se encontra densidade nesses fogos de artifício? Pode ser o desafio para a educação, uma educação para a cidadania da contemporaneidade, e não a do século 20.

O que marca a diferença entre a cidadania de hoje e a do século passado?

Parece haver a não aceitação de um forte poder autocrático central. Outro fator é a estranha relação entre cidadania e consumo dada pelo capitalismo: quem tem acesso ao consumo é mais cidadão, tem mais cidadania. Porque existe essa confusão entre o que você consome e a sua identidade como cidadão – e não é assim, é bem ao contrário. Há tantos políticos, empresários, traficantes de drogas, de animais silvestres que, embora sejam totalmente não cidadãos, são considerados cidadãos porque têm acesso ao consumo. Uma política decente deveria atuar nessa dimensão e acabar com a desigualdade.

Desconstruir essa identidade baseada no consumo: isso é compatível com o capitalismo?

É totalmente incompatível com o capitalismo. É insustentável, na acepção mais ampla do termo. Insustentável socialmente, economicamente, ambientalmente, politicamente. Insustentável para a dignidade humana e a vida no planeta. Aponta para uma transformação sistêmica e radical do sistema socioeconômico, político.

Como você vê a vida nas próximas gerações?

Gostaria de enxergar um mundo justo e bom para as próximas gerações, até porque sou avó. Mas, pelo andar da carruagem, não estou conseguindo enxergar as mudanças profundas que precisam acontecer, razoavelmente orquestradas, com certa governança global. A gente tem de caminhar para isso, mas está muito difícil negociar.

Tenho comparado o desenvolvimento sustentável e a tal economia verde à mesma mulher gorda do neoliberalismo, mas vestida com outra roupa, de outra cor. Há uma enorme dificuldade de os Estados-nações promoverem uma governança que pense, planeje e seja executada em termos planetários. Porque meio ambiente não tem fronteiras nacionais, e precisa com urgência ser percebido como a nossa única biosfera, uma fina camada que mantém a vida no planeta.

Mas não quero restringir meio ambiente a preocupações com a ecologia – uma área das ciências biológicas – ou com a natureza. Os seres humanos nem sabem mais o que é natureza, o meio ambiente foi reordenado pela vida sociocultural humana e nada mais pode ser chamado de apenas natural ou social. A natureza se transformou em áreas de ação nas quais precisamos tomar decisões políticas, práticas e éticas.

Natureza e cultura já não são tão distintas…

Está tudo tão imbricado, que não se pode falar mais de uma governança ambiental – devemos pensar em função da sustentabilidade. Mas os governos não conseguem vislumbrar uma nova ordem mundial, porque estão amarrados à visão de mundo do século 20, 19, de soberania nacional.

Até por ironia, nem no capitalismo de mercado, no qual as multinacionais ocupam um espaço enorme, parece existir a possibilidade de soberania. Você acha que os Estados nacionais enfrentam as grandes corporações multinacionais? Não. E todo esse crescimento econômico que a gente observa nos últimos anos, apesar das crises americana e europeia, é financiado pelo meio ambiente!

Meio ambiente é entendido como as bases de sustentação da vida no planeta – e todas as contradições estão aparecendo aí, nessas bases de sustentação da vida. Temos graves problemas climáticos, gerados por tecnologias que, como escreveu Hans Jonas, têm efeitos colaterais que a gente não consegue dominar, pois vêm sem manual de instruções. Usamos tecnologias que causam tanto impacto na atmosfera, na água, na terra que nos alimenta, que colocam a nossa vida em risco.

É preciso deixar marcado que essa transição para sociedades sustentáveis não pode ser apenas individual. Não é simplesmente cada um ou cada uma fazendo a sua parte, aquela história do beija-flor que fica apagando o fogo, A mudança precisa ser coletiva e, para ser coletiva, é necessário mudar a visão de mundo das pessoas.

Os valores da espiritualidade ajudariam a sustentar essa transição?

Os valores de espiritualidade são bem-vindos. A própria igreja católica vem mudando sua atuação ao longo do tempo e está cada vez mais voltada a questões ambientais. O budismo, todas essas religiões estão vivendo na contemporaneidade, com formas mais profundas de perceber a vida e o cosmos. Esses valores religiosos, que são sobretudo éticos e morais, contribuem para a mudança.

A educação é outra forma de sustentar a transição, contanto que seja integral, integrada, íntegra, com percepção muito mais ampla do que a da escola. Precisamos mobilizar o educador e a educadora existentes em cada pessoa para uma educação ambiental – o ambiental é estruturante porque demarca um campo político de promoção da ética e da cidadania da sustentabilidade. A escola também precisa mudar. Temos ainda bases culturais, como as culturas populares e as dos povos originários – não a cultura de massa – e a ciência engajada na sustentabilidade, que podem nos ajudar na transição.

Os valores dos anos 60 e 70 ainda estão vivos ou se perderam?

Não consigo deixar de olhar a historicidade e a memória – não só do Brasil, pois essas tendências são globais. Os movimentos dos anos 60 na Europa se refletiram no Brasil mais nos anos 70, por causa da ditadura militar. A juventude brasileira se voltou para essa coisa mais hippie, da contracultura; ou para a ação política, de combate à repressão e à ditadura – que estava longe de ser uma ação de massa, mas teve ações corajosas e cheias de idealismo.

Tudo isso perdeu sua força transformadora por causa do capitalismo global, para o qual o Brasil se abriu por decisão política – e também porque não tinha condições de ficar de fora. Não existe o fora do sistema, isso é uma ilusão. É impossível, cada vez mais impossível romper com um sistema perverso que só gera desigualdade. E desigualdade gera o quê? Violência, problemas de saúde pública, menos acesso à educação de qualidade – que foram crescendo de forma incontrolável.

Mas podemos nos apoiar em outros valores – na ciência que considera a dimensão da sustentabilidade, nas religiões, na educação – para pensarmos na possibilidade de construir uma transição para a sustentabilidade. Não temos que começar tudo de novo: a gente precisa potencializar o que tem de transformador na humanidade, os valores que promovem a vida. E começar a repensar a sociedade em direções múltiplas de possibilidades, de sociedades sustentáveis, assim no plural. Não tem um modelo pronto e hegemônico.

Em que outros valores devemos nos apoiar?

O primeiro é a percepção do bem comum, e não voltada ao interesse individualista. A partir daí surgem outros: igualdade, solidariedade, justiça social e ambiental.

A injustiça ambiental está diretamente ligada à desigualdade. As populações mais pobres são empurradas pelo sistema para os piores lugares de se viver, os mais vulneráveis, com mais riscos – em especial em tempos de mudanças climáticas. Essas pessoas têm menos acesso a água limpa, alimentos de qualidade, segurança, saúde preventiva. Até a obesidade, que está aumentando no Brasil, atinge principalmente os mais pobres – do mesmo modo que a subnutrição. Decorre de uma dieta com base em alimentos industrializados, que já vêm prontos e são mais baratos, mas não têm os nutrientes de que precisamos.

Um parêntesis: você tomou conhecimento da pesquisa que detectou a contaminação de leite materno por agrotóxicos?

Pois é, vira e mexe essas pesquisas vêm à tona, mas nada muda devido aos interesses da agroindústria. Isso é injustiça ambiental.

Pensando nas considerações que fez até aqui, você imagina novas formas de fazer política, um novo sistema político?

Acho que a democracia teria de ser participativa direta e baseada em núcleos de poder difuso – local, não centralizada, garantindo que realmente não haja um poder central, só nas mãos da mesma minoria que atua na política partidária com foco no poder hegemônico.

Mas essas ideias só podem ser elaboradas no coletivo, dialogando com as pessoas, pensando junto. Porque o desafio é que não existe um modelo. Em primeiro lugar, deveríamos pensar globalmente – não no formato fragmentado do sistema capitalista globalizado, mas como seres que fazem parte do Planeta Terra. E respeitar as diferenças culturais e ambientais das várias sociedades, de modo que essas diferenças não se tornem sinônimo de melhor ou pior. É o que uma nova política precisaria propiciar.

Andei conversando com pessoas que se sentem atraídas pela densidade ética da Marina Silva, e muitas vêm dizendo: “Nunca quis me meter com política, mas de um movimento diferente eu quero fazer parte; não quero é entrar num partido”. Precisamos encontrar formas de construir uma teia – mais que uma rede, uma teia de construção dessa nova política, que seja uma transição para a sustentabilidade.

Originalmente publicado no site Outras Palavras, 22/02/2013.

              

''A concentração de CO2 hoje está beirando 400 partes por milhão.'' Entrevista com professor Alexandre Costa

"Ciência é algo verificável, baseado em evidências e cumulativo. Mesmo tendo titulação acadêmica, não se pode afirmar qualquer coisa, desconectando-se da realidade", considera o pesquisador.


"Este ano será divulgado o quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas IPCC e, apesar do conservadorismo da comunidade científica, as evidências são tão gritantes que, sem dúvida, algumas das afirmações do relatório referentes ao aquecimento global e ao papel antrópico vão ser mais fortes ainda que do quarto", informa Alexandre Araújo Costa, professor titular da Universidade Estadual do Ceará, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line.
Segundo ele, "o IPCC deixa muito claro que o aquecimento global é inequívoco. Ele existe e é antrópico. Não há como explicar esse aquecimento a não ser pelo aumento na concentração dos gases do efeito estufa. Se fosse pela atividade solar e outros efeitos naturais, teríamos tido, na realidade, um ligeiro resfriamento na metade final do século XX, uma diminuição da ordem de 0,1 a 0,2 graus e não um aquecimento de 0,8 graus".

Alexandre Araújo Costa (foto) é professor, pesquisador e um dos autores do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará, cursou doutorado em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University e possui pós-doutorado pela Universidade de Yale. Foi gerente do Departamento de Meteorologia e Oceanografia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. É professor titular da Universidade Estadual do Ceará e bolsista de produtividade do CNPq. 

Confira a entrevista.

IHU On-Line O senhor faz parte da corrente de cientistas, que é a grande maioria, que sustenta que há, sim, aquecimento global relacionado à emissão de gases do efeito estufa, entre eles o CO2. Realmente existe o aquecimento global causado por esses gases ou a variação térmica do planeta está relacionada a fenômenos naturais?

Alexandre Araújo Costa – Ciência é algo bem estabelecido, verificável, baseado em evidências e cumulativo. Mesmo tendo titulação acadêmica, não se pode afirmar qualquer coisa, desconectando-se da realidade. Por exemplo, as espécies animais que existem hoje surgiram há 6 mil anos atrás do jeito que são? É evidente que não, pois isso contraria as evidências. Do mesmo modo, negar o aquecimento global é contrariar medições, dados, evidências. Então, é preciso ser bem claro. Não existe mais debate na comunidade científica quanto a isso. O pesquisador analisa dados, submete artigos, isso é debatido em congressos científicos, isso é avaliado para publicação em periódicos. E, obviamente como são hipóteses testáveis, esse processo é repetido várias vezes. No nosso caso específico, existe um corpo de evidências tão grande quanto o que existe a favor da evolução das espécies ou da gravitação universal.
Caminho científico

Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas IPCC existe desde 1988, com o objetivo de contribuir para o entendimento dos processos climáticos. Sou um dos autores principais do primeiro relatório do Painel Brasileiro das Mudanças Climáticas, que funciona na mesma lógica, inclusive com a mesma distribuição de trabalho em grupos (bases físicas, vulnerabilidade e impactos e mitigação) e posso lhes dizer como funcionam os painéis. O IPCC não faz nada que não seja levantamento de literatura. Ou seja, não existe uma ciência produzida pelo IPCC à parte da ciência do clima e das demais áreas do conhecimento, que se reflete no que é publicado em revistas tais como a Science e a Nature, além de inúmeras publicações da área em outros meios. Junto à comunidade de cientistas ativos, que desenvolvem pesquisa independente e publicam, existe um claro consenso em torno da existência do aquecimento global e de suas causas. Infelizmente, existe uma distorção disso junto à opinião pública, que é, na verdade, consequência de uma exposição desproporcional dos que defendem a negação das mudanças climáticas, algo que se assemelha ao criacionismo ou do geocentrismo.

Levantamento histórico

O que a ciência tem é atestado por medidas de superfície, de rádiossonda, de satélites. Outro ponto é que o aquecimento não se restringe à temperatura da superfície e do ar, pois existe um fluxo de calor para o planeta que interfere em outros componentes do sistema climático. Na Física básica, aprende-se que existe o calor sensível, que envolve mudança de temperatura sem mudar a fase e o calor latente, que, por exemplo, faz com que o gelo derreta sem mudar a temperatura. Quando dizem “não houve mudança significativa de temperatura, nos últimos 5, 6 anos”, isso é uma meia verdade, pois houve um aumento do conteúdo de calor dos oceanos, sem contar que o que aconteceu com as calotas polares, que perderam massa, principalmente no Ártico. Tudo isso é perfeitamente compatível com o que é fundamental nesse processo todo, que é um desequilíbrio energético: existe mais energia chegando no planeta na forma de radiação de onda curta, isto é, solar, do que deixando o planeta na forma de radiação de onda longa, ou infravermelho. Por conta desse desequilíbrio energético, o planeta está aquecendo, conforme o esperado para uma concentração de CO2 beirando 400 partes por milhão.

Experimentos

É muito estranho e sinto até um certo constrangimento em ovir alguém dizer que o CO2 não exerce controle sobre o clima. Ora, a primeira estimativa do potencial de aquecimento do clima causada por um eventual aumento de CO2 foi feita ainda no século XIX por Arrhenius, uma estimativa razoável para a época. É um fato: nós estamos em meio a um experimento climático planetário involuntário de grandes proporções, que está mudando a face do planeta. Nas eras glaciais, a concentração desse gás era de 180 ppm e nos interglaciais dos últimos 800 mil anos não ultrapassou 300 ppm. Mais: não há registro na história da Era Cenozóica, nos últimos 65 milhões de anos, de existência da calota polar do Ártico em períodos com concentrações de CO2 acima de 400 partes milhão. Há 34 milhões de anos, quando surgiu a calota polar da Antártica, isso aconteceu justamente quando a concentração de CO2 baixou de 500 ppm (partes por milhão). Toda a história do nosso planeta mostra, portanto, uma relação íntima entre CO2 e temperatura.

IHU On-Line – Centros de pesquisa como do Met Office, de Oxford a Berkeley, e entidades globais defendem que existe o aquecimento global. O senhor considera que há o risco destas instituições estarem envolvidas em manipulação de informações para defender interesses dos países ricos?

Alexandre Araújo Costa – Pensar nessa possibilidade é pensar em uma teoria da conspiração inteiramente fantasiosa, além do que chega a ser ofensivo para nós, cientistas. A comunidade científica do clima é a mais transparente que existe. Exatamente porque o clima não tem fronteiras, nossa ciência não tem fronteiras também. Os dados coletados, os resultados de modelos estão aí para todo mundo. Então a resposta é muito clara: não. Não há manipulação de dados pelos centros. Para que isso pudesse ser uma história coerente, teria que ter todos os cientistas da área envolvidos nessa conspiração. Além deles, todos os editores das revistas científicas que publicam artigos com os resultados. Teria que ter corrompido as empresas que fabricam sensores meteorológicos, porque os dados de muitos sensores chega automaticamente e por aí vaí...

Interesses

Se há interesses em jogo, posso garantir que não há interesse maior do que o das companhias de combustíveis fósseis em confundir a opinião pública. É claro que há empresas que querem vender seus aerogeradores, seus painéis solares, etc. Sem dúvida alguma. Mas veja: entre as maiores empresas do mundo, a de maior faturamento é a Shell, a segunda é Exxon. Da lista de 12 maiores companhias do mundo, só o Walmart não pertence ao ramo do petróleo, automobilístico, do gás natural ou do carvão mineral. Há também uma pesquisa que mostra claramente o envolvimento desse setor com os bancos, com os executivos destes tendo assento no conselho deliberativo dessas companhias e vice-versa. E essas corporações poderosíssimas tentam confundir a opinião pública para atrasar as medidas necessárias para conter o aquecimento global, para que seus lucros gigantescos não se reduzam. É a mesma tática utilizada pela indústria do tabaco que, mesmo diante de todas as evidências de câncer ligado ao fumo, conseguiu ganhar muito tempo, semeando dúvidas que não deveriam existir. Sobre o clima, é até espantoso que nós cientistas tenhamos conseguido fazer minimamente que nossas descobertas sejam vistas, sejam ouvidas, passando por cima dessas corporações.

IHU On-Line – É possível estabelecer um diálogo entre estas duas correntes, isto é, os que atribuem o aquecimento da superfície terrestre aos gases do efeito estufa e os que negam essa relação?

Alexandre Araújo Costa – O que existe é o método científico. A ciência é totalmente aberta e há um diálogo constante na comunidade científica com base neste método. Tipicamente, em suas pesquisas, obtêm-se resultados que devem ser reportados em um artigo e submetidos à apreciação editorial de revistas e periódicos. Os pares avaliam, questionam, verificam a correção do método, a qualidade e o mérito do trabalho. O que se pode chamar de diálogo se dá desta forma, através da literatura científica, porque em ciência é preciso estar amarrado em evidências. Nesse contexto, o IPCC cumpre justamente o papel de facilitar, acelerar e qualificar o diálogo na comunidade científica, ao produzir aquilo que são certamente o mais rico compêndio da ciência contemporânea: os seus relatórios. Neles, para se obter, digamos, uma estimativa da influência do sol ou do CO2 no clima nos últimos 250 anos, consideram-se as estimativas feitas por vários autores. O número que o IPCC mostra, que é uma média de todas essas estimativas (publicadas em artigos revisados), é que o acúmulo de energia devido ao CO2, em 2007, já era oito vezes maior que a contribuição das variações na atividade do sol.

IHU On-Line – Quais foram os principais avanços científicos que permitem garantir que o aquecimento global, atualmente, decorre da intervenção humana no planeta?  

Alexandre Araújo Costa – Agora temos uma rede de sensores observacionais bastante significativa. Uma das recentes lacunas, mas que está mais próxima de ser preenchida, são as medidas nos oceanos. Hoje existe uma rede de boias que permite quantificar o conteúdo de calor oceânico e entender melhor os fluxos de energia. Afinal, sabe-se que os continentes aquecem e esfriam muito rapidamente, e a maior contribuição para a termodinâmica do clima vem dos oceanos. Na verdade, mais de 90% do desequilíbrio energético associado ao aumento do CO2 é energia que vai para os oceanos. Uma fração menor vai para o gelo, outra para a superfície, outra para a atmosfera. Se formos verificar o que tem acontecido, perceberemos que o aquecimento é muito mais visível quando monitoramos os oceanos.

Monitoramento instantâneo

Os satélites também têm permitido que nós possamos fazer o monitoramento global como nunca antes se imaginou, principalmente das calotas polares, onde os resultados são dramáticos. O gelo marinho não tem apenas diminuído em área; ele tem diminuído em volume. Além de estar cobrindo uma área menor, tendo chegado ao menor valor da história no ano de 2012, ele tem se tornado muito menos espesso. A estimativa em 1979 era de que o gelo marinho do Ártico ocupava 16.855 quilômetros quadrados. Em 2012, são apenas 3.261 quilômetros quadrados.

Projeções conservadoras

Com base nessas novas observações e a partir dos relatórios do IPCC, é possível aferirmos as projeções com a realidade. Em termos da temperatura da superfície, a evolução recente da temperatura, tem estado perfeitamente dentro do intervalo de projeções, determinado a partir dos vários resultados de modelos diferentes, de vários grupos de pesquisa. Já nas outras questões, as projeções têm-se mostrado conservadoras. A expectativa era a de que os oceanos, no começo deste século, se elevassem a uma taxa de 2 milímetros por ano, mas o que a realidade mostra são 3,3 milímetros por ano, correspondendo ao valor mais “alarmista” dentre as projeções de 2007. Hoje, todos sabemos que a projeção de elevação do nível do mar vem sendo subestimada.

Outra projeção que se mostrou muito “cautelosa” é a de perda de gelo nas calotas. A média de degelo que se viu no Ártico em 2012 somente era esperada para 2030, pelo mais pessimista de todos os modelos e para 2060 considerando-se a média de todas as projeções. Havia até modelos que apontavam que chegaríamos no final do século e não teríamos o degelo de 2012. A questão é mais grave porque há, aí, mecanismos de retroalimentação. O gelo é mais brilhante do que o oceano e o solo, ou seja, tem maior albedo, então quando ele derrete expõe uma superfície mais escura, que absorve mais radiação solar, aquecendo o planeta mais rapidamente. Quando se tem um degelo na superfície, a tendência também é que a água de cima da superfície pressione o gelo e consiga perfurar a calota e chegar até a base, levando à ruptura de grandes blocos de gelo. Por fim, sabe-se hoje que o gelo mais novo deixa passar mais raios solares o que gera um aquecimento no oceano abaixo. Esses aspectos não eram levados em conta pelos modelos até recentemente, e isso faz muita diferença.

IHU On-Line Deseja acrescentar algo?

Alexandre Araújo Costa – Este ano será divulgado o quinto relatório do IPCC e, apesar do conservadorismo da comunidade científica, as evidências são tão gritantes que, sem dúvida, algumas das afirmações do relatório vão ser mais fortes ainda que do quarto. O IPCC deixa muito claro que o aquecimento global é inequívoco. Ele existe e é antrópico.

Combustíveis fósseis

Nós sabemos que o aquecimento global vem da queima de combustíveis fósseis por uma razão muito simples. São vegetais soterrados há milhões de anos que se decompuseram e se transformaram em hidrocarbonetos. A composição isotópica é diferente entre a atmosfera e as plantas que, quando fazem fotossíntese, dão “preferência” ao carbono 12. Quando as plantas apodrecem, milhões de anos depois, os átomos de carbono permanecem. Portanto, os combustíveis fósseis têm uma composição de carbono 12 e 13 diferente da atmosfera, ou seja, são pobres em carbono 13. Se eu queimar combustíveis fósseis e colocar na atmosfera o resultado da queima, vou diminuir a proporção de átomos de carbono 13, que é exatamente o que está acontecendo! Sabemos que o planeta aquece, sabemos que isso se dá principalmente pela elevação das concentrações de CO2 e sabemos exatamente de onde esse aumento vem. Para mim, não há dúvida de que as distorções existentes entre a comunidade científica e o que é veiculado midiaticamente estão relacionadas aos interesses da indústria petroquímica e, no Brasil, a outro componente: o agronegócio. Basta ver o relatório do Aldo Rebelo, de desmanche do Código Florestal, que lançou mão de argumentos de negação do aquecimento global.

Desigualdade, quem sofre são os mais pobres

Outra coisa que é fundamental ressaltar é a desigualdade no processo todo. Quem lucrou com as emissões foram meia dúzia de corporações. Quem é mais pobre é que sofre mais com os impactos. É sobre o pescador que depende dos peixes, que dependem dos corais e pequenos moluscos cuja sobrevivência está sendo comprometida por conta da acidificação dos oceanos, resultado da dissolução do CO2 acumulado na atmosfera. Também são esperados mais eventos extremos com os climas mais quentes, tanto mais enchentes quanto mais secas.

Não é à toa que habitantes de países insulares têm apresentado reivindicações muito claras em relação ao que se refere ao clima, porque buscam que a concentração de CO2 volte para 350 partes por milhão. Esse é o nível seguro que evitaria o aquecimento de um grau. Acima dessa concentração, como já estamos, os impactos esperados sobre esses países são enormes, não só devido à elevação dos oceanos, o que pode fazer alguns deles praticamente desaparecerem ao longo desse século, como também pode comprometer, já nos próximos anos, seus lençóis freáticos, ficando sem água potável.

Energia renovável

O Brasil poderia dar um bom exemplo e sair dessa lógica de hidrelétricas de grande porte e termelétricas, que teve continuidade no governo Dilma, em relação ao de FHC. Hoje, 5% da energia total da Alemanha vem de energia solar, grande parte delas de cima do telhado das casas. Eles têm um plano de em dez anos desativar todas as usinas nucleares exatamente em função do crescimento da energia solar. O local do Brasil onde tem menos radiação solar tem 40% a mais que a Alemanha. Imagina se o governo subsidiasse estes painéis! Eu acho que para as famílias de baixa renda seria doar mesmo e, para a classe média, subsidiar ou criar linhas de crédito. Esse é o caminho.

Zerando o desmatamento e com os recursos renováveis que temos em abundância, o Brasil poderia ser um país de emissão zero, exceto pelo transporte, que também pode evoluir com a necessária aposta no transporte público. O Brasil poderia, então, “falar grosso”, não só com Estados Unidos, mas também com a Comunidade Europeia, com a China e com a Índia, que não têm cortado as emissões em níveis aceitáveis. Em relação às políticas públicas de incentivos ao transporte individual, como a redução de IPI, supostamente para preservar os empregos dos trabalhadores, o país criou algumas cidades com o trânsito totalmente inviabilizado, sem falar da emissão enorme de CO2. É preciso um transporte coletivo bom e barato. É um direito nosso de ir e vir, casado com a necessidade de reduzir emissões.
 
Originalmente publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 28/02/2013.

 

Ao menos 70% das espécies da Terra ainda são desconhecidas

Por Karina Toledo, da Agência FAPESP
Dando início ao Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA-FAPESP Educação, Thomas Lewinsohn (Unicamp) falou sobre o tempo e o custo estimado para descrever todas as espécies do planeta (foto:Léo Ramos)
Embora o conhecimento sobre a biodiversidade do planeta ainda esteja muito fragmentado, estima-se que já tenham sido descritos aproximadamente 1,75 milhão de espécies diferentes de seres vivos – incluindo microrganismos, plantas e animais. O número pode impressionar os mais desavisados, mas representa, nas hipóteses mais otimistas, apenas 30% das formas de vida existentes na Terra.

“Estima-se que existam outros 12 milhões de espécies ainda por serem descobertas”, disse Thomas Lewinsohn, professor do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante a apresentação que deu início ao Ciclo de Conferências 2013 organizado pelo programa BIOTA-FAPESP com o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência.

Mas como avaliar o tamanho do desconhecimento sobre a biodiversidade? “Para isso, fazemos extrapolações, tomando como base os grupos de organismos mais bem estudados para avaliar os menos estudados. Regiões ou países em que a biota é bem conhecida para avaliar onde é menos conhecida. Por regra de três chegamos a essas estimativas”, explicou.

Técnicas mais recentes, segundo Lewinsohn, usam fórmulas estatísticas sofisticadas e se baseiam nas taxas de descobertas e de descrição de novas espécies. Os valores são ajustados de acordo com a força de trabalho existente, ou seja, o número de taxonomistas em atividade.

“No entanto, o mais importante a dizer é: não há consenso. As estimativas podem chegar a mais de 100 milhões de espécies desconhecidas. Não sabemos nem a ordem de grandeza e isso é espantoso”, disse.

Lewinsohn avalia que, para descrever todas as espécies que se estima haver no Brasil, seriam necessários cerca de 2 mil anos. “Para descrever todas as espécies do mundo o número seria parecido. Mas não temos esse tempo”, disse.

Algumas técnicas recentes de taxonomia molecular, como código de barras de DNA, podem ajudar a acelerar o trabalho, pois permitem identificar organismos por meio da análise de seu material genético. Por esse método, cadeias diferentes de DNA diferenciam as espécies, enquanto na taxonomia clássica a classificação é baseada na morfologia dos seres vivos, o que é bem mais trabalhoso.

“Dá para fazer? Sim, mas qual é o custo?”, questionou Lewinsohn. Um artigo publicado recentemente na revista Science apontou que seriam necessários de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão por ano, durante 50 anos, para descrever a maioria das espécies do planeta.

Novamente, o número pode assustar os desavisados, mas, de acordo com Lewinsohn, o montante corresponde ao que se gasta no mundo com armamento em apenas cinco dias. “Somente em 2011 foram gastos US$ 1,7 trilhão com a compra de armas. É preciso colocar as coisas em perspectiva”, defendeu.

Definindo prioridades

Muitas dessas espécies desconhecidas, porém, podem desaparecer do planeta antes mesmo que o homem tenha tempo e dinheiro suficiente para estudá-las. Segundo dados apresentados por Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), mais de 50% da superfície terrestre já foi transformada pelo homem.

Essa alteração na paisagem tem muitas consequências e Metzger abordou duas delas na segunda apresentação do dia: a perda de habitat e a fragmentação.

“São conceitos diferentes, que muitas vezes se confundem. Fragmentação é a subdivisão de um habitat e pode não ocorrer quando o processo de degradação ocorre nas bordas da mata. Já a construção de uma estrada, por exemplo, cria fragmentos isolados dentro do habitat”, explicou.

Para Metzger, a fragmentação é a principal ameaça à biodiversidade, pois altera o equilíbrio entre os processos naturais de extinção de espécies e de colonização. Quanto menor e mais isolado é o fragmento, maior é a taxa de extinção e menor é a de colonização.

“Cada espécie tem uma quantidade mínima de habitat que precisa para sobreviver e se reproduzir. Não conhecemos bem esses limiares de extinção”, alertou.

Metzger acredita que esse limiar pode variar de acordo com a configuração da paisagem, ou seja, quanto mais fragmentado estiver o habitat, maior o risco de extinção de espécies. Como exemplo, ele citou as áreas remanescentes de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, onde 95% dos fragmentos têm menos de 100 hectares.

“Estima-se que ao perder 90% do habitat, deveríamos perder 50% das espécies endêmicas. Na Mata Atlântica, há cerca de 16% de floresta remanescente. O esperado seria uma extinção em massa, mas nosso registro tem poucos casos. Ou nossa teoria está errada, ou não estamos detectando as extinções, pois as espécies nem sequer eram conhecidas”, afirmou Metzger.

Há, no entanto, um fator complicador: o período de latência entre a mudança na estrutura paisagem e mudança na estrutura da comunidade. Enquanto as espécies com ciclo curto de vida podem desaparecer rapidamente, aquelas com ciclo de vida longo podem responder à perda de habitat em escala centenária.

“Cria-se um débito de extinção e, mesmo que a alteração na paisagem seja interrompida, algumas espécies ficam fadadas a desaparecer com o tempo”, disse Metzger.

Mas a boa notícia é que as paisagens também se regeneram naturalmente e além do débito de extinção existe o crédito de recuperação. O período de latência representa, portanto, uma oportunidade de conservação.

“Hoje, temos evidências de que não adianta restaurar em qualquer lugar. É preciso definir áreas prioritárias para restauração que otimizem a conectividade e facilitem o fluxo biológico entre os fragmentos”, defendeu Metzger.

Colhendo frutos

Ao longo dos 13 anos de existência do BIOTA-FAPESP, a definição de áreas prioritárias de conservação e de recuperação no Estado de São Paulo foi uma das principais preocupações dos pesquisadores.

Os resultados desses estudos foram usados pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para embasar políticas públicas, como lembrou o coordenador do programa e professor do Instituto de Biologia da Unicamp, Carlos Alfredo Joly, na terceira e última apresentação do dia.

“Atualmente, pelo menos 20 instrumentos legais, entre leis, decretos e resoluções, citam nominalmente os resultados do BIOTA-FAPESP”, disse Joly.

Entre 1999 e 2009, disse o coordenador, houve um investimento anual de R$ 8 milhões no programa. Isso ajudou a financiar 94 projetos de pesquisa e resultou em mais de 700 artigos publicados em 181 periódicos, entre eles Nature e Science.

A equipe do programa também publicou 16 livros e dois atlas, descreveu mais de 2 mil novas espécies, produziu e armazenou informações sobre 12 mil espécies, disponibilizou e conectou digitalmente 35 coleções biológicas paulistas.

“Desde que foi renovado o apoio da FAPESP ao programa, em 2009, a questão da educação se tornou prioridade em nosso plano estratégico. O objetivo deste ciclo de conferências é justamente ampliar a comunicação com públicos além do meio científico, especialmente professores e estudantes”, disse Joly.

A segunda etapa do ciclo de palestras está marcada para 21 de março e terá como tema o “Bioma Pampa”. No dia 18 de abril, será a vez do “Bioma Pantanal”. Em 16 de maio, o tema será “Bioma Cerrado”. Em 20 de junho, será abordado o “Bioma Caatinga”.

Em 22 de agosto, será o “Bioma Mata Atlântica”. Em 19 de setembro, é a vez do “Bioma Amazônia”. Em 24 de outubro, o tema será “Ambientes Marinhos e Costeiros”. Finalizando o ciclo, em 21 de novembro, o tema será “Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais”.

Programação do ciclo: www.fapesp.br/7487 

Originalmente publicado no site Agência FAPESP, 25/02/2013.


Violação de direitos não é mais consequência, mas condição da lógica econômica

por Eduardo Gudynas*

‘Extrahección’ (super-extração) é um termo novo para descrever a apropriação dos recursos naturais desde a imposição de poder e violação dos direitos humanos e da natureza. A palavra é nova, mas o conceito é bem conhecido. Descreve situações que pouco a pouco estão se tornando mais comuns, assim como os empreendimentos de mineração ou petroleiros impostos em um contexto de violência, ignorando as vozes dos cidadãos, deslocando comunidades camponesas ou indígenas, ou contaminando o meio ambiente. 

‘Extrahección’ é uma palavra que provem do latim ‘extrahere’, que significa tomar algo, arrancando-o ou arrastando-o. É, portanto, um termo adequado para descrever situações onde se arrancam os recursos naturais, seja das comunidades locais ou da natureza. Nestas circunstâncias, violam-se diversos direitos, e este precisamente é o aspecto que se põe em evidência com este novo termo. Os direitos violados cobrem uma vasta gama, entre os quais se podem indicar alguns para tomar consciência da gravidade destas situações.

Impactos ambientais, como a destruição de ecossistemas silvestres, a contaminação das águas, solos, ar ou a perda de acesso à água, são todas violações dos chamados direitos de terceira geração. Estes estão focados na qualidade de vida de um ambiente ou em um ambiente são, e entre os exemplos conhecidos se pode indicar a contaminação por agrotóxicos nas monoculturas de soja. Em países onde mais se reconhecem os direitos da natureza (como no Equador), existem empreendimentos extrativistas que são claramente incompatíveis com o mandato ecológico constitucional.

Os direitos dos indivíduos são afetados de diversas maneiras. Repetidamente se violam as consultas prévias, livres e informadas às comunidades locais, ou se forçam seus resultados, como tem sido denunciado em vários projetos nos países andinos. Também existem violações quando se impõe o deslocamento de comunidades, como vem ocorrendo com as operações de mineração da região de Carajás no Brasil. Em locais onde há novos empreendimentos, ouvimos queixas de violações dos direitos dos trabalhadores, quer na sua sindicalização, quer em condições sanitárias e de saúde (como relatado por trabalhadores de carvão na Colômbia).

Não podemos esquecer as práticas de corrupção, como nos esquemas de suborno, para aceitar práticas de alto impacto social ou ambiental, ou inclusive para obter as permissões de funcionamento de um projeto.

A ‘extrahección’ também descreve as circunstâncias de empreendimentos que se impõem silenciando de maneira distinta as vozes cidadãs. Nos últimos anos, tem sido comum a volta da judicialização dos protestos, iniciando-se ações legais contra seus líderes, que são submersos por processos que duram anos, têm seus bens embargados, suas viagens restringidas etc. Um outro passo é criminalizar as ações cidadãs, colocando-as à sombra de atos de vandalismo, sabotagem ou terrorismo. Recentemente, o Observatório de Conflitos Mineiros da América Latina (OCMAL) coletou casos de criminalização em vários países latino-americanos.

Finalmente, na ‘extrahección’, também se chega à violência direta através de distintos formatos. Esta pode estar em mãos de indivíduos ou a cargo de grupos, os quais, por sua vez, podem ser força de segurança ou paramilitares, ou estar em mãos das próprias forças estatais (policiais ou militares). Uma recente revisão internacional detectou que as três maiores corporações na área de mineração (Rio Tinto, Vale e BHP Billition) têm estado envolvidas em casos de violência, vários dos quais na América Latina.

Tudo isto se expressa em repressões violentas de mobilizações, raptos e até mesmo assassinatos. Uma vez mais se encontram muitos exemplos recentes, desde as repressões às mobilizações sociais em diferentes localidades da Argentina, ou a marcha a favor do TIPNIS na Bolívia, bem como o saldo de pelo menos cinco mortos e mais de cinquenta feridos nas marchas de oposição ao projeto de mineração de Conga, no Peru.

Está claro que estes e outros casos representam ações ilegais que ocorrem em países que contam com coberturas legais para os direitos humanos. Mas não podem passar despercebidas as situações de ‘alegalidade’, onde se mantêm as formalidades legais, mas as consequências das ações são claramente ilegais. Neste caso encontramos as corporações que aproveitam, por exemplo, os vazios normativos para fazerem avançar contaminações ambientais, ou que ignoram as empresas que subcontratam para levar a cabo ações de maior impacto para as comunidades locais.

Quando o Estado não assegura seu próprio marco normativo de direitos, as comunidades locais têm apelado a instâncias internacionais, tais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desta maneira, têm sido visibilizadas muitas demandas que antes eram sepultadas mediante a indiferença estatal – como ocorreu na Guatemala, diante da solicitação do fechamento da mina Marlin, para garantir a saúde das comunidades locais.

É necessária uma nova palavra, ‘extrahección’ pra descrever estas situações? Certamente que é. Estas violações aos direitos humanos e à natureza não são meras consequências inesperadas, ou produto de ações isoladas levadas adiante por indivíduos deslocados. Esta é a justificativa variadas vezes empregada por setores governamentais ou corporativos, com a finalidade de separar suas atividades destas violações. Esta postura é inaceitável.

Na realidade, as violações de direitos têm se tornado um componente inseparável e inevitável de certo tipo de extração dos recursos naturais. Isto ocorre quando estas atividades comprometem enormes superfícies, realizam procedimentos intensivos (por exemplo, utilizando agrotóxicos) ou os riscos em jogo são de enorme gravidade e, portanto, nunca seriam aceitáveis sob os marcos legais para as comunidades locais. Então, a única forma com que podem ser executadas é por meio da imposição e da violação aos direitos fundamentais. A violação destes direitos não é uma consequência, senão uma condição para fazer valer este tipo de apropriação dos recursos naturais. Trata-se de facetas de um mesmo tipo de desenvolvimento, intimamente vinculadas entre si.

É esta a dinâmica particular que explica o conceito de ‘extrahección’. Não basta dizer, por exemplo, que uma das consequências do extrativismo mais intensivo é a violação de alguns direitos. Deve-se deixar claro que existe uma íntima relação entre estes fatores, onde estas estratégias de apropriação de recursos naturais somente são possíveis quebrando-se os direitos das pessoas e da natureza. 

Tradução: Valéria Nader.

* Eduardo Gudynas é pesquisador do CLAES (Centro Latino Americano de Ecología Social). 

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania e republicado no site Envolverde, 26/02/2013.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Funcionário de Belo Monte é flagrado espionando Xingu Vivo para informar ABIN

Na manhã deste domingo, 24, quando finalizava seu planejamento anual em Altamira (PA), o Movimento Xingu Vivo para Sempre detectou que um dos participantes, Antonio, recém integrado ao movimento, estava gravando a reunião com uma caneta espiã.

Na caneta, o advogado do Xingu Vivo, Marco Apolo Santana Leão, encontrou arquivos de falas da reunião, bem como áudios de Antonio sendo instruído sobre o uso do equipamento. Confrontado, ele a principio negou qualquer má intenção, mas logo depois procurou o advogado para confessar sua atividade de espião contratado pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da usina, para levantar informações sobre lideranças e atividades do Xingu vivo.

De livre e espontânea vontade,Antonio se dispôs a relatar os fatos em depoimento gravado em vídeo. Segundo ele, depois de ser demitido pelo CCBM em meados do segundo semestre de 2012, ele foi readmitido em outubro como vigilante, recebendo a proposta de trabalhar como agente infiltrado, primeiramente nos canteiros de obra para detectar lideranças operárias que poderiam organizar greves.

Em dezembro, segundo o depoente, ele passou a espionar o Xingu Vivo, onde se infiltrou em função da amizade de sua família com a coordenadora do movimento, Antonia Melo. Neste período, acompanhou reuniões e monitorou participantes do movimento, enviando fotos e relatos para o funcionário do CCBM, Peter Tavares.

Foi Tavares que, segundo Antonio, lhe deu a caneta para gravar as discussões do planejamento do movimento Xingu Vivo. O espião também relatou que este material seria analisado pela inteligência da CCBM, e que, para isso, contaria com a participação da ABIN (Agencia Brasileira de Inteligência), que estaria mandando um agente para Altamira esta semana.

Após gravar este depoimento, Antonio pediu para falar com todos os participantes do encontro do Xingu Vivo, onde voltou a relatar suas atividades de espião, pedindo desculpas e prometendo ir a público para denunciar o Consórcio Construtor Belo Monte.

Em seguida, solicitou ao advogado e à jornalista do movimento que o acompanhassem até sua casa, onde queria acertar os detalhes da delação com a esposa. No local, ele se ofereceu e apresentou seus crachás do CCBM, bem como a carteira profissional onde consta a contratação pela empresa, que foram fotografados.

Posteriormente, porém, a esposa comunicou ao advogado do movimento que Antonio tinha mudado de ideia e que não se apresentaria no Ministério Público Federal, como combinado. Mais tarde, ainda enviou um torpedo ameaçador a um membro do Xingu Vivo. No texto, ele disse que “vocês me ameaçaram, fizeram eu entrar no carro, invadiram minha casa sem ordem judicial. Isso é que é crime. Vou processar todos do Xingu vivo. Minha filha menor e minha mulher são minhas testemunhas. Sofri danos morais e violência física. E vocês vão se arrepender do que fizeram comigo”.

Em função de sua desistência de cooperar e assumir seu crime, e principalmente em função da ameaça ao movimento, o Xingu Vivo tomou a decisão de divulgar o depoimento gravado em vídeo, inclusive como forma de proteção de seus membros.

Apesar da atitude criminosa de Antonio ao se infiltrar no movimento, e apesar de não eximi-lo de sua responsabilidade, o Movimento Xingu Vivo para Sempre entende que o maior criminoso neste caso é o Consórcio Construtor Belo Monte, que usou de seu poder coercitivo e financeiro para transformar um de seus funcionários em alcaguete.

Também denunciamos que este esquema é responsabilidade direta do governo federal, maior acionista de Belo Monte. Mais execrável, porém, é a colaboração de agentes da ABIN no ato de espionagem.

O Movimento Xingu Vivo para Sempre, violado em seus direitos constitucionais e em sua privacidade, acusa diretamente o governo e o Consórcio de Construção de Belo Monte (integrado pelas empresas: Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Queiroz Galvão, Contern, Galvão Engenharia, Cetenco, J. Malucelli e Serveng) por estes crimes, e exige do poder público que sejam tomadas as medidas cabíveis. É inadmissível que estas práticas ocorram em um estado democrático de direito. Exigimos justiça, já!

Veja aqui o depoimento de Antonio:





Originalmente publicado no site do Movimento Xingu Vivo para Sempre, 25/02/2013.

Para saber mais:





As prioridades dos ruralistas no Congresso


A bancada ruralista deve concentrar sua atuação neste ano legislativo em projetos que envolvam a demarcação das terras indígenas e a definição de um novo código de trabalho rural, dois temas considerados prioritários na reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e de outras entidades ligadas ao setor agropecuário. O objetivo do encontro de ontem em Brasília foi justamente definir essas prioridades. Matéria de Murilo Rodrigues Alves, no Valor Econômico, socializada pelo ClippingMP.

Segundo a FPA, 214 deputados e 14 senadores integram a bancada ruralista, o equivalente a 41,7% da Câmara e 17,3% do Senado. A bancada agrega parlamentares que defendem os pleitos do agronegócio. Parte dos integrantes é formada por donos de terra ou empresários dos segmentos alimentar ou agroquímico, e a força de articulação do grupo ficou visível com a versão do Código Florestal aprovada no Congresso.

No que se refere às questões fundiárias, um dos projetos que serão acompanhados de perto pela bancada ruralista é a proposta de emenda à Constituição (PEC) 215/2000, do deputado Almir Sá (PPB-RR). A FPA se posiciona favorável à proposta de retirar do Executivo a demarcação de terras indígenas e incluir como competência exclusiva do Congresso a aprovação de demarcação das terras indígenas e a confirmação das demarcações já homologadas. O texto também estabelece que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.

A proposta é polêmica e deve marcar mais um embate entre as bancadas ruralista e ambientalista, uma vez que movimentos de apoio aos indígenas, magistrados e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionaram contrários à PEC. Essas organizações argumentam que a aprovação da proposta colocaria um fim às demarcações de áreas de proteção tanto indígenas como de quilombolas, porque elas ficariam condicionadas ao lento processo de aprovação por parte de deputados e senadores.

A bancada ruralista também deve fazer lobby para que seja aprovado um projeto de lei (PL) de Paulo Piau, ex-deputado e atualmente prefeito de Uberaba (MG), que cria um sistema de indenização a produtores rurais que tiverem suas propriedades desapropriadas por causa da demarcação de terras indígenas ou de quilombolas. Ainda na política fundiária, os ruralistas devem combater a criação do Conselho Nacional de política Indigenista (CNPI) – que contará, se aprovado, com representantes do Executivo, dos povos e das organizações indígenas de todas as regiões do país.

Quando o assunto é relações de trabalho, a FPA vai brigar pela aprovação de uma legislação específica para o trabalhador rural. Segundo o coordenador técnico da frente, Paulo Márcio Araújo, as condições de trabalho no campo são diferentes das da cidade e, por isso, é preciso a criação de um código rural para delimitar regras mais flexíveis nas relações de trabalho do setor – que leve em conta, por exemplo, que na época de colheita, muitas vezes, trabalha-se mais do que 8 horas por dia.

Ao mesmo tempo, o lobby rural tentará barrar no Congresso todos os projetos que dispõem sobre punições aos empregadores que colocam os trabalhadores em situações análogas à escravidão. Segundo Araújo, é preciso primeiro que se defina o que é trabalho escravo. Para ele, a portaria do Ministério do Trabalho que trata do assunto é “muito vaga”. O coordenador da FPA, que trabalhou por sete anos no Ministério da Agricultura e assumiu o cargo na frente em novembro, criticou exigências do Ministério do Trabalho como a distância entre as camas em um alojamento.

Ele acredita que é por esse tipo de exigência que a grande maioria dos 405 empregadores que estão na lista suja do trabalho escravo, divulgada no início deste mês pelo Ministério do Trabalho, é de contratantes localizados em áreas rurais. Enquanto não forem definidos os critérios das condições análogas às de escravidão, a FPA é contrária à maior parte dos projetos que hoje tramitam no Congresso Nacional em relação ao tema.

A lista inclui o projeto de lei 2884/2011, do deputado Dimas Fabiano (PP-MG), que obriga prévia autorização, pela Vigilância Sanitária, para o funcionamento de alojamentos rurais. Também foi tratado como prioridade a oposição ao projeto de lei 1216/2011, da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que atribui obrigações ao empregador rural em relação a segurança e saúde dos trabalhadores, como o fornecimento de equipamento individual. A lista inclui chapéu para proteção contra sol, óculos de segurança, luvas, calçados impermeáveis e botas especiais, a depender de cada atividade.

A lista das propostas que correm no Congresso considerada prioritária pelos ruralistas incluem, ainda, projetos que tratam de biocombustíveis, ambiente, política agrícola, biotecnologia, segurança, tributação, infraestrutura e defesa.

O encontro de ontem (21) serviu para a formação de consensos. Além da FPA, participaram representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Confederação Nacional da Indústria (CNI), União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) e Embrapa, entre outros segmentos.

Matéria de Murilo Rodrigues Alves, no Valor Econômico, socializada pelo ClippingMP e republicada no site Ecodebate, 25/02/2013.