Menina
de 16 anos foge de boate onde polícia encontrou 15 mulheres em situação
de cárcere privado e regime de escravidão. Caso pode ser caracterizado
ainda como tráfico de pessoas*
A
Polícia Civil de Altamira, no Pará, encontrou 14 mulheres e uma
travesti em regime de escravidão e cárcere privado em um prostíbulo
localizado em área limítrofe de um dos canteiros de obras da
hidrelétrica de Belo Monte. A operação foi realizada na noite desta
quarta-feira, 13, após denúncia de uma garota de 16 anos, que conseguiu
fugir. A adolescente procurou a conselheira do Conselho Tutelar,
Lucenilda Lima, que acionou a polícia.
Prostíbulo onde garotas estavam confinadas. Foto: Bruno Carachesti/Diário do Pará. |
De
acordo com o delegado Rodrigo Spessato, que comandou a operação, as
mulheres, de idade entre 18 e 20 anos – além da jovem de 16, todas
provenientes dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –
eram confinadas em pequenos quartos sem janelas e ventilação, com
apenas uma cama de casal, e havia cadeados do lado de fora das portas.
Em depoimentos ao delegado, as vítimas afirmaram que podiam ir à cidade
de Altamira uma vez por semana, por uma hora, mas eram vigiadas pelos
funcionários da boate.
Além
da situação de cárcere privado, a polícia encontrou no local um caderno
onde eram anotadas as dívidas das meninas, como gastos com passagens,
alimentos e vestimentas, além de “multas” por motivos diversos.
Ameaça de morte
Após a ação, a policia civil resgatou, além da adolescente, quatro meninas
e uma travesti. Segundo Lucenilda, do Conselho Tutelar, as demais
disseram ter muito medo de retaliações, uma vez que o dono da boate
teria ameaçado seus familiares que moram no Sul. Em entrevista à
reportagem, uma das jovens resgatadas contou que, assim que a
adolescente de 16 anos conseguiu fugir, o gerente a seguiu com uma arma.
“Ele
saiu atrás dela armado e disse que não custava matar uma, que ninguém
ficaria sabendo”, afirma a garota, que tem 18 anos. Procedente de
Joaçaba, no interior de Santa Catarina, ela conta que lá trabalhava em
uma boate cuja cafetina era “sócia” do dono da boate no Pará. “Viemos em
nove lá de Joaçaba. Falaram para a gente que seria muito bom trabalhar em Belo Monte, que a gente ganharia até R$ 14 mil por mês, mas quando chegamos não era nada disso”, conta.
“Já
de cara fizemos uma dívida de R$ 13 mil por conta das passagens [valor
cobrado do grupo]. Aí temos que comprar roupas, cada vestido é quase R$
200, e tudo fica anotado no caderninho pra gente ir pagando a dívida. E
tem também a multa, qualquer coisa que a gente faz leva multa, que
também fica anotada no caderno. Depois de cada cliente, a gente dava o
dinheiro para o dono da boate pra pagar as nossas dívidas, eu nunca
ganhei nenhum dinheiro para mim”, explica a garota.
Sobre
as condições às quais foram submetidas na boate, ela conta que morava
com outras três meninas em um pequeno quarto muito quente, e que
realmente não tinha permissão de sair do local. “Eles ligavam o ar
condicionado só por uma hora. A gente tinha que trabalhar 24 horas por
dia; quando tinha cliente, tinha que atender”, afirma.
“De
comida, tinha almoço e janta. Se você estava trabalhando na hora do
almoço, tinha que esperar a janta. Se desse muita fome, a gente tinha
que comprar um lanche. O gerente da boate dizia que a gente só poderia
sair depois de pagar todas as dívidas, e que nem adiantava reclamar
porque ninguém ia nos ajudar, ele era amigo da justiça e nunca ninguém
ia fazer nada contra ele. Mas ele disse que se a gente falasse, eles iam
atrás dos nossos filhos e parentes lá no Sul.”
Belo Monte
Sobre
os clientes, ela conta que eram exclusivamente trabalhadores de Belo
Monte. “Eram operários, eram gerentes, tinha de tudo. Todo mundo que
trabalha na obra vinha na boate”, explicou.
O delegado Rodrigo Spessato diz não saber se o prostíbulo está dentro ou fora dos limites do canteiro de obras. A conselheira Lucenilda Lima relata, no entanto, que para chegar à boate foi preciso atravessar o canteiro de Pimental, um dos principais da usina. “Foi uma burocracia na entrada para a gente conseguir passar. E lá mesmo toda hora passavam os carros e tratores de Belo Monte, então eu considero que a boate está na área da usina”.
Na
ação, a polícia civil efetuou a prisão de dois funcionários da boate,
mas não encontrou o proprietário. Segundo Spessato, além de exploração
sexual de menor, cárcere privado e regime de escravidão, o caso poderá
ser caracterizado como tráfico de pessoas, e os responsáveis pelo
prostíbulo, processados por estes crimes.
Como
o canteiro de Pimental fica no município de Vitória do Xingu, o caso
está sendo apurado pela delegacia dessa cidade. O delegado local chegou a
Altamira na manhã desta quinta-feira para tomar os depoimentos das
vítimas e dos dois funcionários presos, e uma nova ação voltará à boate
ainda esta tarde, para fechar o estabelecimento e resgatar 1o mulheres
que permaneceram no local.
*Matéria atualizada às 15h
Originalmente publicado no site do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, 14/02/2013.
Para saber mais:
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