por André Trigueiro*
ONU elege 2013 o
ano internacional da cooperação pela água. Por aqui, despejamos 15
bilhões de litros de esgotos por dia nos rios, lagos, manguezais e
partes do nosso litoral.
Um recurso natural finito, escasso e cada vez mais raro, absolutamente
precioso para a vida da maioria absoluta das espécies – incluindo a
nossa – justificou a realização de mais uma campanha de alcance
planetário patrocinada pela ONU. Dez anos depois de as Nações Unidas
elegerem o Ano Internacional da Água Doce (2003), o assunto retorna com
força total agora em 2013, o Ano Internacional da Cooperação pela Água.
Em números a situação é a seguinte: 11% da população mundial ainda não
acessam fontes seguras de água potável, e estão expostas a uma série de
doenças de veiculação hídrica (mais de 40% dessas pessoas vivem na
África Subsaariana). As principais vítimas são as crianças: mais de 3
mil óbitos por dia em todo o mundo, na maioria dos casos, por diarréia.
Apesar disso, houve avanços importantes. Entre os anos de 1990 e 2010,
mais de 2 bilhões de pessoas passaram a dispor de redes mais seguras de
abastecimento de água. Esse esforço coletivo permitiu que o percentual
de seres humanos alcançados por fontes mais confiáveis de água subisse
para 89% (aproximadamente 6,1 bilhões de pessoas), acima da meta dos 88%
traçados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
O grande desafio continua sendo acelerar os investimentos em saneamento
básico. Apenas 63% da população mundial têm acesso a saneamento de
qualidade. Um dado curioso do relatório produzido pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), é que aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas em todo o
mundo ainda fazem suas necessidades fisiológicas a céu aberto, sem
banheiro. No topo do ranking aparece a Índia com 626 milhões de pessoas
sem banheiro, seguida da China (14 milhões) e do Brasil (7,2 milhões).
É preocupante a lentidão com que o saneamento básico avança no Brasil.
Segundo o IBGE, de2009 a2011, aexpansão da coleta de esgoto foi de pouco
mais de 3%. Para um país em que quase 40% dos domicílios não estão
sequer conectados à rede coletora, é muito pouco. Para piorar a
situação, em boa parte dos casos em que o esgoto é coletado, não há
tratamento. Ou seja, há uma rede coletora construída sem que a
destinação final seja adequada. O próprio governo federal reconhece que
apenas 38% de todo o esgoto produzido no Brasil recebem algum tipo de
tratamento. O resto impacta violentamente rios, lagos, manguezais e
partes do nosso litoral.
São aproximadamente 15 bilhões de litros de esgoto sem tratamento
despejados a cada dia no Brasil. Isso equivalente a 6,3 mil piscinas
olímpicas saturadas de matéria orgânica. Segundo o Instituto Trata
Brasil, aproximadamente 2.500 crianças morrem por ano no país por
doenças causadas pela falta de saneamento básico, principalmente
diarréia. Além da degradação dos ecossistemas, esse bombardeio diário de
esgotos “in natura” em nossas águas determina o afastamento de 217 mil
trabalhadores de suas respectivas atividades profissionais a cada ano
por problemas gastrointestinais. A cada afastamento perdem-se 17 horas
de trabalho, o que implica em custos adicionais de R$ 238 milhões por
ano em horas-pagas e não trabalhadas. Culpa da água contaminada.
Enquanto ignoramos os índices escabrosos de poluição, e as estatísticas
preocupantes de perda de água tratada na rede (algo em torno de 35%),
alguns de nós ainda gostamos de lembrar com certo ar ufanista que o
Brasil é o país campeão mundial de água doce, com 12% das reservas
mundiais das águas superficiais de rios, sem contar o enorme volume do
precioso líquido estocado nos aqüíferos Guarani e Amazônico. O problema é
que a distribuição dessa água é extremamente desigual. A bacia do rio
Amazonas – a maior bacia fluvial do mundo – concentra mais de 70% da
água onde vivem apenas 8% da população brasileira. Já a região Sudeste, a
mais populosa, que reúne 42% da população, tem apenas 6% da água. Além
da geografia desigual, a água também é administrada de maneira sofrível
por pessoas ou instituições sem competência técnica (ou a correta
orientação política) para isso.
Segundo o “Atlas Brasil – abastecimento urbano de água : um diagnóstico
dos mananciais superficiais e subterrâneos e sistemas de produção de
água potável do país”, produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA),
“55% dos municípios brasileiros (3.059) que respondem por 73% da demanda
por água no país, precisam receber até 2015 investimentos em seus
sistemas de produção de água ou mananciais que somam R$ 22 bilhões para
evitar problemas no abastecimento”. Esse alerta ainda não mereceu por
parte dos tomadores de decisão a devida atenção.
“Os países hoje em dia são avaliados pela forma como sabem usar a água, e
não pelo que têm de água. Porque é mais importante hoje saber usar a
água que se tem do que ostentar a abundância”, me disse certa vez em
entrevista o saudoso professor de Hidrologia da USP, Aldo Rebouças, um
dos maiores especialistas no assunto. Também ele denunciava com farta
argumentação o uso insustentável de água nas lavouras, que consomem
aproximadamente 70% de toda a água doce do país. Para o especialista, as
técnicas normalmente empregadas de irrigação (inundação, pivô central
ou aspersores) desperdiçam muita água sem necessidade.
Por tudo isso, chega em boa hora o alerta da ONU em um mundo onde na
última década ascenderam à classe média aproximadamente 400 milhões de
pessoas. O incremento do consumo trouxe junto a explosão de demanda da
chamada água virtual, aquela que a gente não vê, mas está presente nos
sapatos, roupas, carros, eletrodomésticos, computadores, televisões,
enfim, tudo o que é produzido. Não há crescimento econômico possível sem
muita água sustentando os indicadores de produção e de consumo. Embora a
população cresça, e o número de consumidores também, o estoque de água
doce do planeta permanece inalterado há milhões de anos. Sem a promoção
do uso inteligente, a falta de água para suportar o crescimento da
demanda deverá se tornar crônica.
Reduzir a poluição e o desperdício; promover a cultura do uso
inteligente da água em todos os níveis; capacitar gestores, acelerar os
investimentos e monitorar os resultados. As soluções estão ao nosso
alcance. Resta fazer.
* André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em
Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina
geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC-RJ, autor do livroMundo Sustentável – Abrindo Espaço na
Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos
autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e
Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro,
pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor
chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também
comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de
Janeiro.
** Publicado originalmente no site Mundo Sustentável e republicado no site Envolverde, 13/02/2013.
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