Por
Gerson Teixeira
Presidente
da ABRA - Associação Brasileira de Reforma Agrária
No
período recente ocorreu a ampliação do peso relativo da base primário
exportadora na economia brasileira. O fato conflita com os axiomas do processo
de desenvolvimento econômico e decorre, em grande medida, da acomodação do país
a um contexto internacional de comércio definido pelos países desenvolvidos.
Neste
cenário foi reforçada a funcionalidade da nossa economia, no caso, ao
suprimento dos mercados globais de commodities minerais, metálicas e agrícolas
(proteína animal e vegetal, em especial).
Assim,
particularmente neste século, a economia brasileira foi posicionada na inércia
de um “atrativo” mercado global de commodities, com forte protagonismo do
capital financeiro, incluindo o especulativo.
Não se
trata de uma pregação contrária ao aumento das vendas externas do país. Contudo,
a resignação política à centralidade do aprofundamento da marca primário
exportadora da economia implica, nas condições históricas brasileiras, na
ratificação das causas estruturais das nossas anomalias econômicas e
desigualdades sociais.
Neste
artigo, apontamos alguns riscos para a sociedade brasileira, relacionados
especificamente com a transformação do agronegócio no carro-chefe, ou na ‘joia
da coroa’ da economia nacional. Aproveitando alguns tópicos inserimos aspectos
que julgamos relevantes para expor o ‘estado da arte’ do agronegócio no Brasil
e no mundo.
Há mais
de uma década os brasileiros são convocados para o financiamento gigantesco da
expansão desse padrão de negócio assentado na grande exploração agropecuária. A
cada ano o crédito rural oficial expande a oferta de somas bilionárias para os
grandes agricultores, em custos irrisórios.
Para não
comprometer o fluxo expansivo do crédito o Tesouro sistematicamente é acionado
para ‘adimplir’ grande parte das dívidas desses financiamentos, em permanente
situação de anormalidade.
A Lei
Kandir continua incentivando a reprimarização da economia com mais incursões na
‘bolsa da viúva’ e prejuízos aos estados. Dívidas privadas dos grandes
produtores têm sido estatizadas. O próprio BNDES financia a elevada concentração
e/ou desnacionalização nesse segmento. Investimentos em logística,
infraestrutura, incentivos fiscais regionais, políticas de sustentação de
preços, compras governamentais e seguro rural também integram a fatura fabulosa
da população na sustentação dessa atividade.
Grande
parte dessas medidas seria justificável posto, em tese, a importância
estratégica e as particularidades da atividade agrícola. Mas, no caso
brasileiro, quem se apropria de fato dos resultados desses esforços? Quais os
seus benefícios para a população? Mesmo na métrica da racionalidade econômica,
o agronegócio no Brasil tem solidez e constitui boa aposta para o futuro do
país?
Por serem
de amplo conhecimento não comentaremos os severos impactos fundiários, sociais,
e ambientais imanentes aos monocultivos produtivistas de larga escala que
alicerçam o agronegócio.
Agrotóxicos/Transgênicos
Em que
pese a observação anterior, diga-se que esse padrão de agricultura constitui,
na atualidade, caso grave de saúde pública no Brasil. Pesquisa recente da
Universidade de Brasília concluiu que, na hipótese mais otimista, 30% dos
alimentos consumidos pelos brasileiros são impróprios para o consumo somente
por conta de contaminação por agrotóxicos.
Um
escândalo intensificado com a disseminação dos transgênicos a partir da entrada
‘clandestina’ da ‘soja Maradona’ no Brasil, quando agricultores do Sul caíram
no ‘canto da sereia’ de que os transgênicos levariam à redução do uso de
venenos na agricultura.
Desde
então (início da década de 2000), as importações de agrotóxicos saltaram de 259
milhões de dólares para 2.2 bilhões de dólares em 2012; assumimos a liderança
mundial no consumo dos venenos agrícolas, e os agricultores passaram a sofrer
cobrança ilegal de verdadeiras fortunas a título de royalties por dupla
proteção das sementes transgênicas (Lei de Proteção de Cultivares e Lei de
Patentes).
Como
exemplo da relação transgênicos/agrotóxicos, dados de custo de produção
divulgados pela Conab revelam que em Santa Rosa no RS, os gastos com
agrotóxicos com a soja RR subiram de R$ 159,00/hectare para R$ 183,00/hectare,
de 2008 para 2011. Correspondiam a 19.8% do total das despesas de custeio com a
lavoura, passando a 29%, em 2011.
Nesse
mesmo período, os royalties cobrados sobre a sementes geneticamente modificadas
subiram de R$ 23,00/ hectare para R$ 32,00/ hectare, ou seja, um aumento de 39%
quando a variação do IPC-A foi de 18%.
O
‘Economic Research Report Number 130 - December 2011’, do Departamento de
Agricultura dos EUA- USDA, estima que, em 2010, a ‘proteção química’ derivada
dos OGMs proporcionou vendas adicionais de agrotóxicos no valor de 10.6 bilhões
de dólares.
Concentração
econômica
São
consideráveis as vulnerabilidades econômicas do agronegócio no Brasil pelo grau
desproporcional do seu controle por setores monopolistas globais das indústrias
intermediária da agricultura, e da alimentar, que produzem e comercializam
internacionalmente produtos e serviços alimentícios, agrícolas, financeiros e
industriais.
A
aquisição ou falência das empresas nacionais de sementes e a ‘apropriação’ da
Embrapa por companhias do chamado ‘Big 6’ (Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer,
Dow, e BASF) que controlam as sementes/química/biotecnologias em todo o mundo,
resultaram na forte dependência genética da agricultura nacional, em vários
produtos animais e vegetais.
Estudo do
USDA (antes citado) revela que entre 1994 e 2009, a concentração econômica no
segmento da agroquímica, medida pelo Índice Herfindahl2, elevou de 198 para
937; no de sementes, de 171 para 991; máquinas agrícolas, de 264 para 791;
saúde animal, de 510 para 827.
No ano de
2009, as quatro maiores empresas em cada segmento da indústria intermediária da
agricultura, respondiam por pelo menos 50% dos respectivos mercados globais de
vendas. Os níveis de concentração são diferentes nos distintos segmentos.
Já em
2007 as quatro maiores empresas produtoras de sementes de hortaliças
controlavam 70% do respectivo mercado global; as oito maiores controlavam 94%.
Três das empresas que integram o ‘Big 6’ são as grandes controladoras desse
mercado: Monsanto, Syngenta e Bayer.
O mercado
de biotecnologias agrícolas contabilizava 77 médias e pequenas empresas em
1979. Em 2008, restavam apenas 30; as demais foram adquiridas ou faliram.
A
Geopolítica do agronegócio
Sob esse
cerco os agricultores brasileiros passaram à condição de terceirizados desses
conglomerados. E, num ambiente interno de frouxidão regulatória, inclusive no
acesso à terra por estrangeiros, o poder de definição sobre a expansão
territorial da atividade agrícola primária no Brasil foi deslocada do Estado,
para esses segmentos do capital internacional.
Não é à
toa que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como o
arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e
35%. As de produtos nobres do agronegócio exportador como a cana e soja
aumentaram 122% e 107%. No estado de São Paulo, a área com cana ocupa 75% da
área total plantada com culturas temporárias e ainda assim o país enfrenta
crises sistemáticas na oferta do etanol.
Passamos
a importar até feijão da China. No ano passado importamos US$ 334 milhões em
arroz, o equivalente a 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível
nacional. No caso do trigo, o valor das importações em 2012 (US$ 1.7 bi) foi
mais de duas vezes superior ao destinado para o custeio da lavoura (R$ 1.1 bi).
A produção de mandioca atualmente é a mesma de 1990.
Agricultores
familiares passam a abandonar a produção de alimentos da dieta básica dos
brasileiros
Agravando
o cenário de risco potencial para a segurança alimentar em nosso país, as
políticas governamentais nos últimos anos disseminaram a lógica da agricultura
do agronegócio entre grande parcela dos agricultores familiares.
Resultado:
quando comparamos 2003 com 2012, mesmo considerando o aumento exponencial no
volume de recursos ofertados pelo Pronaf, no período, o número de operações de
custeio de arroz com agricultores familiares declinou de 34.405 para 7.790
(-77.4%).
No caso
do feijão, o número de contratos de custeio pelo Pronaf reduziu de 57.042 para
10.869 (-81%). Os contratos para o custeio da mandioca caíram de 65.396 para
20.371 (-69%), e para o custeio de milho declinaram de 301.741 para 170.404
(-44%)3.
Em
síntese, constatamos trajetória de progressiva redução do plantio de culturas
alimentares básicas, o que tem ampliado a nossa dependência de importações num
cenário internacional de grandes vulnerabilidades da oferta agrícola em função
das cada vez mais frequentes e intensas quebras de safra nos principais países
agrícolas por conta dos efeitos do aquecimento global.
Como
agravante, temos erráticas e insuficientes políticas de estoques de alimentos
conduzidas pela Conab que intensificam a exposição da população brasileira a
riscos de abastecimento e ao processo inflacionário. Os estoques reguladores,
além de pífios, são formados em função das pressões de setores produtores com
problemas circunstanciais de renda.
Não
existe a formação de estoques estratégicos. As compras governamentais da
agricultura familiar são importantes enquanto alternativa de mercado
institucional para esse segmento, mas não têm expressão econômica, portanto,
são insuficientes para a garantia da estabilidade do abastecimento alimentar.
Dependência
na importação de fertilizantes
Considere-se,
também, que eventuais interrupções no fluxo, ou choques nos preços dos fertilizantes
importados desmoronariam o ‘gigante de pés de barro’, com consequências desastrosas
para o país.
Em 2012 o
Brasil importou 19.5 milhões de toneladas de fertilizantes químicos, o
equivalente a 66% do consumo interno. Em relação ao potássio a dependência de importações
deve continuar acima de 80%. Em 2000 as importações brasileiras de
fertilizantes somaram 10.3 milhões de toneladas.
Desde
2003 a produção interna de fertilizantes intermediários se mantém pouco acima de
9.2 milhões de toneladas.
Todas as
previsões convergem para a tendência de crescimento do uso de fertilizantes químicos
pela agricultura brasileira. Isso ocorrerá em meio às dúvidas do plano nacional
de fertilizantes e num contexto de elevação dos preços do insumo.
Os preços
dos fertilizantes dispararam com a crise econômica a partir de 2007/08 e,
associadamente, com o boom dos preços das commodities. Em 2009 atingiram o
pico, depois declinaram para em seguida retomarem a trajetória de alta conforme
a figura abaixo que exibe a evolução dos preços desses insumos desde 1995.
A
propósito, os fertilizantes são os principais emissores do óxido nitroso, gás
com densidade de efeito estufa bem superior à do gás carbônico, portanto, fator
agravante do aquecimento global.
Concentração
dos investimentos em P&D nos países industrializados
Afora as
ameaças para a segurança alimentar e nutricional da população do país, os
conglomerados que controlam o agronegócio brasileiro concentram todos os seus
investimentos em P&D nos países de origem. Essa concentração é uma
evidência das restrições para a transferência de tecnologia, para os países
pobres e emergentes, pelas grandes corporações.
De acordo
com o USDA, até o período 2000/2004, o Japão liderava os investimentos privados
da indústria alimentar (média anual de 2.7 bilhões de dólares). No período 2005/07
a liderança passou aos EUA (média de 2.4 bilhões de dólares/ano). Vale destacar
que o Brasil não figura na lista dos 27 países líderes dos dispêndios em
P&D da indústria da alimentação.
No caso
da indústria intermediária, os investimentos privados em P&D, em todo o
mundo, somaram US$ cerca de 11 bilhões em 2010 (valores correntes), assim distribuídos:
(i) US$ 3.1 bilhões em agrotóxicos; (ii) US$ 3.7 bilhões em sementes transgênicas;
(iii) US$ 2.4 bilhões em máquinas agrícolas; (iv) US$ 100 milhões em fertilizantes;
(v) US$941 milhões em saúde animal; (vi) US$ 339 em genética animal; e (vii)
US$ 410 milhões em nutrição animal.
No caso
dos US$ 3.7 bilhões de investimentos privados em sementes/biotecnologias
agrícolas, as mega corporações da agroquímica que integram o 'Big 6' foram
responsáveis por US$ 2.9 bilhões. Outras grandes companhias investiram US$ 732
milhões e as pequenas e médias firmas, o valor restante.
Segundo o
USDA, de 1994 a 2010 os investimentos em P&D nos agrotóxicos têm declinado
em termos reais. De outra parte, as vendas de agrotóxicos no mercado global
cresceram de 32.7 bilhões de dólares em 1994 para 47.1 bilhões em 2010, ou
seja, 5.6 vezes superior aos investimentos privados em insumos químicos,
biotecnologias e máquinas agrícolas.
O quadro
abaixo apresenta a distribuição regional dos investimentos privados em pesquisa
pelas companhias das indústrias de alimentos, e intermediária da agricultura,
na posição de 2006. Vê-se a ‘exclusão’ da América Latina desses investimentos.
A África sequer é citada.
Vale
assinalar que, de acordo com os dados do USDA, o Brasil não figura na lista dos
27 países que lideram os dispêndios das companhias privadas na indústria da alimentação.
Enfim,
ante ameaças de vulto para os interesses nacionais como as acima pontuadas,
será que exportações próximas 100 bilhões de dólares justificam estratégias
para a transformação do Brasil no ‘fazendão’ do mundo para alguns poucos
produtos sob o comando de um punhado de corporações estrangeiras? Infelizmente,
esse tipo de reflexão não existe no governo!
A
Produtividade na Agricultura – caso dos EUA
O
constante aumento da produtividade foi o fator do ‘sucesso’ da agricultura
produtivista por quase todo o século XX. Graças a isso, uma das principais
características do modelo agrícola americano disseminado no mundo tem sido a
sua natureza excedentária.
Contudo,
estudos recentes demonstram a tendência de estagnação ou recuo da produtividade
agrícola em todo o mundo, fato que amplia de forma substancial as ameaças da
segurança alimentar da população mundial, notadamente com os cenários
projetados das mudanças climáticas.
A Revista
Science, edição de 26 de março de 2010, apresentou matéria de grande relevância
demonstrando que a taxa de crescimento dos rendimentos de grãos caiu pela metade
entre 1961-1990 e 1990-2007.
Um
pesquisador do USDA publicou artigo contestando a Revista. Tentou provar que a
inclusão de fatores relacionados à gestão/organização alteram essa avaliação.
Mas não contestou os resultados dos ‘fatores input’ da produção agrícola.
Enfim, o fato é que, com o domínio dos transgênicos que prometiam outra
revolução verde, e com montanhas de produtos químicos, a produtividade agrícola
é decrescente.
Considerando
a agricultura americana, que é a origem do padrão de modernização produtivista,
observa-se a trajetória declinante, de longo prazo, dos níveis de produtividade
do trabalho.
Aprodutividade
da terra também apresenta tendência declinante de longo prazo, e a do capital
levemente positiva, ainda que apresentando taxas médias negativas de 1981 a
2000. Isto mostra que a produtividade geral dos fatores (input) é declinante na
agricultura.
A Tabela
abaixo mostra a evolução da produtividade dos fatores de produção na
agricultura americana, desde 1948 a 2009, pelas taxas médias de crescimento nos
períodos considerados.
Conclusões/
Recomendações
-a
análise anterior sugere que a centralidade atribuída ao agronegócio nos rumos
da economia brasileira não representa uma boa aposta para o desenvolvimento do
país.
-a
dependência externa da base primária da agricultura brasileira a setores
oligopsônicos globais ameaça a soberania do país na produção e comércio de
alimentos, e impõe riscos substanciais para a segurança alimentar da população
brasileira.
-neste
momento de comemoração dos dez anos de governo do PT, onde indiscutivelmente há
muito a comemorar especialmente no que tange aos efeitos das políticas de
transferência de renda, cumpriria repensar as políticas agrárias e agrícolas à
luz dos maiores interesses nacionais.
-as
recomendações para reflexão, não esgotam o tema e estão ancoradas em
possibilidades de algumas mudanças que julgamos viáveis nas circustâncias
políticas atuais.
-cumpre
reformas profundas nas prioridades de pesquisa e no modelo de gestão da Embrapa
com vistas a dotar o país de maior independência na genética e em outros
insumos essenciais para a atividade agropecuária; de preparar o país para um
modelo agrícola, competitivo, mas fundado na diversidade genética e em
tecnologias poupadoras de recursos naturais. Programa de desenvolvimento e
multiplicação de sementes crioulas, já existe, mas, nas franjas das prioridades
da empresa. Há a necessidade de programa de pesquisa específico voltado para os
alimentos essenciais da dieta alimentar nas condições de produção dos agricultores
familiares camponeses.
-deve ser
abortada a proposta de abertura de capital da EMBRAPA que consta de PL do
Senador petista Dulcídio, do MS e que tem o apoio massivo dos ruralistas e de
muita gente do governo;
-a
exemplo do ponto anterior cumpre ação do governo para evitar a qualquer custo
que prospere as propostas de Lei (uma delas, do nosso Deputado Cândido
Vacarezza- PL nº 5.575/2009), que liberam a tecnologia genética de restrição de
uso – TERMINATOR;
-seria o
caso mesmo da desvinculação da EMBRAPA do MAPA, pois, essa condição facilita o
controle das grandes corporações sobre a empresa. O ideal, sem prejuízo da
natureza jurídica da Embrapa, seria o vínculo com a SAE/PR, a exemplo do IPEA.
-a
integração de camponeses a setores capitalistas oligopsônicos, como o setor
energético (biocombustíveis, no caso), constitui medida de consequências
potencialmente desastrosas nos planos político, social e econômico. No início,
na busca da garantia da oferta de matérias primas, as grandes empresas oferecem
preços atrativos e condições vantajosas de fomento, o que provoca ‘efeito
manada’ nos camponeses que findam substituindo a produção de alimentos por
esses produtos. nas primeiras dificuldades no setor, os camponeses são
atirados no abismo e sequer têm alimentos; crise social inevitável. Assim, não
deveria ser incentivada a integração da agricultura familiar a esses setores.
-os dados
e fatos mostram que deve ser revista a geração Pronaf & Cia que deve ser
interpretada como justa e oportuna política de inclusão de parcela dos
camponeses às políticas públicas e de inserção ao mercado. Há a necessidade,
agora, de uma nova geração de políticas para a agricultura familiar voltada,
depois da inclusão, para a diferenciação. A geração PRONAF induziu a
modernização conservadora da agricultura familiar (o conservadora deve-se, em
especial, à matriz tecnológica que é a mesma da agricultura empresarial). A
aptidão congênita da agricultura de herança camponesa é a produção de
alimentos, o que tem sido afetada pelo PRONAF.
-numa
estratégia de múltiplos objetivos estratégicos o governo deveria, sob o forte
discurso da garantia da segurança alimentar, investir pesado num programa de
autossuficiência de alimentos tendo a agricultura familiar como a principal
protagonista. E, também, de envolvimento desse segmento num programa de
modernização da economia extrativa de produtos de alto valor comercial, e
daqueles essenciais para a preservação de tradições/dietas e estilos de vida
para comunidades tradicionais.
-dentro
desse programa de autossuficiência de alimentos caberia um projeto ambicioso de
produção de milho; produto de importância singular por sustentar a cadeia de
algumas carnes, e constituir produto ou matéria prima de alimentos básicos.
-vale
destacar a importância da inclusão da autossuficiência do trigo. Diferente das
visões construídas no Brasil com o neoliberalismo, que levou ao nível absurdo
de dependência do país em um produto tão estratégico como o trigo, na Europa
cria-se barreira para o açúcar de cana, pois mantêm o açúcar da beterraba que
não tem a menor condição de competir com a cana. Os EUA jamais produziriam
álcool do milho, pois é incomparavelmente inferior em todos os planos ao etanol
da cana. Mas, de forma alguma abrem mão, pois consideram estratégico.
-a
viabilidade do programa de autossuficiência de alimentos dependeria,
exclusivamente, do manejo de ações institucionais como no caso da pesquisa
antes comentado, da ater, e dos instrumentos de política agrícola para a produção,
industrialização e comercialização. Contudo, são requeridos FORTES E
TRANSPARENTES SUBSÍDIOS para garantir rentabilidade e capacidade de pagamento
para a atividade de produção de alimentos pela agricultura familiar. Ademais de
plenamente justificáveis as subvenções pela relevância política do programa,
sai mais barato para o Tesouro subsidiar de verdade e garantir rentabilidade e
capacidade de pagamento do que continuar a rotina de prorrogações, remissões e
repactuações de dívidas dos agricultores familiares. Além do mais, o que o
Brasil vem gastando com importações de alimentos, justificaria a adoção de uma
política de crédito efetivamente subsidiada.
-há
necessidade, também, do aprofundamento dos mercados institucionais, o que seria
fundamental para a viabilização do programa. Uma política de garantia de preços
e de industrialização dos produtos completaria o arcabouço de políticas para o
programa.
-associadamente,
além da manutenção adequada de uma política de estoques reguladores de
alimentos, é essencial a formação de estoques estratégicos para garantir a
regularidade do abastecimento alimentar nas situações de graves insuficiências
da oferta interna, em escala nacional ou local, por força de fatores de
qualquer natureza, e o suporte de programas sociais, em especial, das políticas
públicas voltadas para a segurança alimentar e nutricional da população
brasileira. Os volumes dos estoques estratégicos seriam excedentes aos dos
estoques reguladores em níveis não inferiores ao equivalente a 4/12 dos consumos
anuais aparentes dos produtos. Para o caso do trigo, seria de 5/12.
PLANOS
SAFRA?
-A Lei
Agrícola Nacional (lei nº 8.171, de 1991) foi sábia quando definiu o conteúdo
estratégico para o planejamento agrícola, o que jamais foi observado, daí
restando a proliferação e acúmulo de anomalias econômicas, sociais e ambientais
na expansão da atividade. Não é à toa o contencioso e imbróglios gerados com o
código florestal. É fruto desse processo. Assim, a lei determina instrumentos
de curto, médio e longo prazos para orientar a atividade agrícola no Brasil.
Entretanto, nos restringimos aos planos safra que muito mais expressam disputa
entre patronais e familiares, preponderantemente, por mais e mais recursos para
o crédito.
-Nenhum
plano safra se preocupa, por exemplo, com a produção e abastecimento de
hortigranjeiros que repercutem profundamente no processo inflacionário. Já
tivemos um sistema de informação de mercados agrícolas e CEASAs que ajudavam na
regulação desse mercado
-Portanto,
há a necessidade de uma nova concepção para esses planos eminentemente
produtivistas, de curto prazo, de modo a considerar o universo da atividade
agrícola e dos seus nexos/entornos econômicos e socioambientais. Além disso,
deve haver a interação temporal dos instrumentos.
-AQUISIÇÃO
DE TERRAS POR ESTRANGEIROS – é mais que inadiável uma nova legislação a
respeito por razões tão profundas e diversas que não desenvolverei aqui pela
obviedade e para não alongar o texto. Em setembro de 2012 foi publicada a IN
Conjunta nº 01/2012 - MAPA/MDA/MTUR/MDIC/INCRA, orientando, com base na lei
ultrapassada, os procedimentos para a compra de terras por estrangeiros. Na
verdade, foi um artifício para a homologação das terras compradas por empresas
nacionais controladas por estrangeiros em desacordo com os Pareceres da AGU.
ocorre que, além de não imporem nenhuma condicionalidade para o cadastramento
dessas aquisições no sistema do INCRA (sequer o cumprimento da função social),
ampliaram o período de homologação que deveria de 1998 a 2010. Consideraram as
aquisições desde 1994 com base em um Parecer da AGU que não foi publicado no
DOU; portanto, sem validade.
-segundo
o projeto TerraClass (MCT&I-INPE)/ EMBRAPA, 62% da área desflorestada na
Amazônia está associada às pastagens. A produtividade média nessas áreas, não
passa de 1,5 cabeça/hectare. Ou seja, temos aí, uma prova concreta de que não
se justificariam mudanças no Código Florestal em cima do discurso da
inelasticidade da área disponível para o avanço do agronegócio na região. São
447.5 mil km2 de áreas já desflorestadas na Amazônia que se apresentam
precariamente exploradas com pastagens. O aproveitamento racional dessa área
permitiria um salto fantástico na produção de alimentos no Brasil.
-No
mínimo, impõe-se a regulação da atividade do agronegócio para, entre outros
objetivos, resgatar o poder do Estado na definição da ocupação produtiva do
território e reduzir o poder das companhias internacionais. Inclusive, sem essa
iniciativa daqui a pouco teremos problemas ainda maiores na área ambiental,
inclusive no plano internacional o que será ruim para os nossos compromissos em
clima e para o comércio de produtos pecuários e florestais.
Artigo socializado pelo MST
– Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, 28/02/2013.
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