RBA
mostra algumas das múltiplas facetas da agricultura urbana na maior
cidade do país: da produção orgânica em áreas de proteção
ambiental à coesão social em bairros de classe média
Por: Tadeu
Breda, da Rede Brasil Atual
Agricultora da zona leste mostra alface para fregueses da vizinhança: ocupação de terrenos vazios e produção de alimentos (Foto: Gerardo Lazzari/RBA) |
São
Paulo – São Paulo tem onze milhões de habitantes, cinco linhas de
metrô, sete milhões de automóveis, rios poluídos, favelas,
avenidas largas, muita fumaça e uma quantidade imensurável de
concreto. É a mais rude definição de cidade que o Brasil conseguiu
produzir. Mas muitos paulistanos continuam vivendo em contato com a
terra. E outros tantos se sustentam com o que plantam e colhem nos
espaços ainda não colonizados pelo asfalto.
Embora
não pareça, falar em agricultura dentro da maior metrópole da
América do Sul é cada vez menos um paradoxo. Por isso, a Rede
Brasil Atual
dá
início hoje (1º) a uma série de cinco reportagens sobre o tema.
De acordo com levantamento da prefeitura, há mais de mil pequenos
produtores rurais dentro dos limites de São Paulo. A esmagadora
maioria se concentra no distrito de Parelheiros, extremo da zona sul.
“Lá tem sido historicamente o cinturão verde da cidade”, lembra
Tiago Janela, diretor do Departamento municipal de Agricultura e
Abastecimento. “É um lugar que continua guardando muitas
características do campo.”
De
fato, as regiões agrícolas de Parelheiros nem parecem cidade. As
ruas são de terra e há árvores por todos os lados. O lugar é
cortado por duas áreas de proteção ambiental e ladeada pelas
represas Billings e Guarapiranga. Por ali, cultivar hortaliças e
plantas ornamentais é coisa séria: a atividade alimenta famílias,
abastece feiras nos bairros mais próximos, cria renda e empregos e
evita que as reservas ecológicas deem lugar a condomínios de luxo.
“Além de produzir alimentos, a agricultura é uma estratégia do
poder público para conservar os mananciais que abastecem os
reservatórios de água da cidade”, reconhece Janela.
Algumas
partes da zona leste de São Paulo também praticam agricultura pra
valer. Mas, como o concreto já avançou bastante por lá, o jeito
para seguir plantando e colhendo foi utilizar terrenos onde não é
permitido construir. Embaixo de linhas de transmissão elétrica ou
em cima de oleodutos, pequenos agricultores vivem com a venda de
hortaliças à vizinhança, sobretudo no bairro de São Mateus. Assim
como ocorre em Parelheiros, contam com apoio da prefeitura e de ONGs
dedicadas à segurança alimentar e à agroecologia. Cumprem uma
dupla função para a comunidade: fazem uso “nobre” de pedaços
de terra que serviam como depósito de entulho ou ponto de tráfico;
e produzem verduras e legumes fresquinhos para a clientela dos
arredores.
Mutirão em horta da zona oeste: vizinhos interagindo e conversando sobre o bairro (Foto: Ricardo Vicenzo/Divulgação) |
Parelheiros
e São Mateus podem ser vistos como espaços de resistência agrícola
em São Paulo, mas há outras frentes de batalha no ataque – e
estas se localizam nas áreas mais centrais da cidade, onde a disputa
contra o concreto é mais evidente. Recentemente, vizinhos começaram
a se organizar em bairros de classe média para retomar praças
abandonadas pelo poder público e recuperar um contato com a terra há
muito perdido por seus pais. Não querem matar a fome de ninguém.
Veem nas hortas uma maneira de reunir gente que vive lado a lado mas
sequer se conhece. Vencem as barreiras da falta de tempo utilizando
massivamente as redes sociais da internet, por onde discutem e
agendam mutirões. Em sua luta pelo verde, estão aliados com outros
grupos urbanos, como os cicloativistas, e pretendem colaborar na
construção de uma cidade que definem como “mais humana”.
Algumas empresas entraram nessa onda.
Um
shopping na zona oeste viu nas hortas uma maneira simples de reciclar
os restos da praça de alimentação e enquadrar-se no Plano Nacional
de Resíduos Sólidos, que obriga grandes empreendimentos a darem um
fim sustentável a seu lixo. Na falta de espaço, a direção decidiu
plantar no teto – que tem quase um hectare de área útil. A
agricultura também se espalha por escolas, postos de saúde e
terrenos particulares por toda a cidade. Cresce a cada dia. Mostra
disso é a procura cada vez mais numerosa pelos cursos oferecidos
pela Escola Municipal de Jardinagem, que funciona no Parque do
Ibirapuera há 38 anos.
Mais de mil pessoas vivem da agricultura em São Paulo (Foto: Gerardo Lazzari/RBA) |
“Começou
para formar os jardineiros da prefeitura na década de 1970, depois
passou a receber inscrições de senhoras interessadas em paisagismo
e então se abriu para todos os interessados”, explica Assucena
Tupiaçu, professora da escola. “De lá pra cá, o perfil dos
alunos mudou muito. Tem gente que vem por indicação médica, em
busca de terapia. Outros porque exercem profissões estressantes e
querem uma válvula de escape. Há aposentados também.” Em comum,
todos manifestam interesse em mexer com a terra – seja para
cultivar os próprios temperos dentro do apartamento, para começar
uma horta no quintal ou mesmo mudar de vida. “Já encontrei
ex-alunos trabalhando com paisagismo no litoral norte, outros no
Ceasa”, pontua. “Há muita gente no mercado.”
A
Escola Municipal de Jardinagem oferece cursos de hortas, paisagismo,
jardinagem e orquídeas – tudo grátis. Quem não mora em São
Paulo ou não tem tempo de frequentar as aulas pode também pode
aprender. Basta marcar um horário com um dos técnicos da escola ou
mandar perguntas pela internet. “Até cartas já recebemos,
inclusive do Nordeste.” Assucena acredita que o interesse crescente
dos paulistanos pela terra deita raízes na produção industrial de
alimentos. “Acho que perceberam o problema dos agrotóxicos e
querem saber exatamente o que estão consumindo”, suspeita. “E
também é super prazeroso comer o que você mesmo plantou.”
Originalmente postado no site Rede Brasil Atual, 01/04/2013.
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