Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Mudanças no uso da terra
que ocorrem atualmente em grande parte do mundo, com maior intensidade nas
regiões tropicais – causadas pelos aumentos da população e da demanda por
alimentos e energia –, têm provocado diversos impactos na composição química e
na biodiversidade dos corpos d’água.
No Brasil, algumas das
alterações em rios e lagos resultantes da expansão do cultivo da cana-de-açúcar
e da soja e da substituição da floresta por áreas de pastagem de gado têm sido
estudadas por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena)
da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com colegas da Universidade de
Washington, Ecosystem Center e Wood Hole Research Center – nos Estados Unidos
–, além da Universidade de Potsdam (Holanda) e University of British Columbia,
do Canadá.
“Temos tentado, cada vez mais, realizar trabalhos
interdisciplinares de pesquisa para tentar unir o conhecimento dos sistemas
terrestre e aquático dentro de uma abordagem única, sem esquecer a ação do
homem, que é extremamente importante nas mudanças de uso da terra”, disse Maria
Victoria Ramos Ballester, professora do Cena, à Agência FAPESP.
De acordo com Ballester, membro do Programa FAPESP de Pesquisa
sobre Mudanças Climáticas Globais, o cultivo da cana-de-açúcar pode causar
diversos impactos ambientais. Um deles é provocado pelo uso da vinhaça
(subproduto do refino do álcool) como fertilizante para a cultura. A vinhaça é
rica em nitrogênio, composto químico que, em excesso na água de rios e lagos,
pode favorecer o crescimento de algas.
Outro problema sério em relação ao cultivo dessa cultura agrícola
é a questão da água. “Para produzir 1 litro de álcool combustível a partir da
cana-de-açúcar são necessários 1,4 mil litros da água. É uma produção muito
cara em termos de água”, disse Ballester.
Já a fuligem produzida pela queima da cana-de-açúcar durante a
colheita, segundo a pesquisadora, contém um tipo de carbono diferente que pode
ser assimilado em maior ou menor escala por organismos presentes em um rio, por
exemplo.
Ao se depositar no solo ou em um ecossistema aquático, o material
modifica a ciclagem de carbono do meio. “A fuligem da cana acidifica o solo e a
água e isso tem consequências para o ecossistema”, disse Ballester durante o
Simpósio Japão-Brasil sobre Colaboração Científica. Organizado pela FAPESP e
pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS), o evento foi
realizado nos dias 15 e 16 de março, em Tóquio.
Nos casos da transformação da floresta por áreas de pastagem de
gado ou de cultivo de soja, como ocorre na região oeste do país, os dois
fenômenos têm impactos. A diferença entre eles, no entanto, está nos níveis de
impacto.
Por meio de um estudo realizado
no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, o grupo de Ballester
analisou as transferências de nitrogênio e a biodiversidade de peixes de duas
bacias interligadas em Rondônia, com 800 metros de extensão e as mesmas
condições físicas. Uma das bacias, no entanto, era margeada por áreas de
pastagem de gado e a outra possuía mata ciliar.
Os pesquisadores observaram que o rio que teve sua cobertura
vegetal modificada apresentava apenas uma espécie de peixe, enquanto o curso da
água cuja mata ciliar foi mantida possuía 35 espécies.
“Quando se retira a vegetação da borda de um rio, entram mais luz
e materiais no corpo d’água que fazem com que a água tenha menos oxigênio e
modifique as condições locais. Isso afeta a diversidade biológica do
ecossistema”, explicou Ballester.
Outra questão observada em estudos no Mato Grosso é que a mata
ciliar nas áreas em que se produz soja com certificação socioambiental do
produto para exportação é muito diferente das matas ciliares encontradas na
mesma região onde o cultivo não avançou. “Não é o mesmo tipo de vegetação”,
disse Ballester.
Além disso, de acordo com a pesquisadora, a soja necessita de 32%
mais fósforo do que outras culturas e, a exemplo da cana-de-açúcar, retira
muita água do solo.
“A grande preocupação mundial com a expansão dos cultivos de soja,
de cana-de-açúcar e de milho para produzir agroenergia é saber se as áreas de
produção de alimentos serão substituídas por áreas para produção de energia,
mas pouco se tem olhado para a questão da água”, disse Ballester.
“A maior parte das áreas de produção de agroenergia não tem água
suficiente para manter as culturas com elevada produtividade e será necessário
irrigá-las. Isso representa outro problema sério que irá mudar o ciclo da
água”, destacou.
Originalmente publicado no site Agência FAPESP, 25/03/2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário