Apesar
da importância da questão indígena no processo de implantação da hidrelétrica
de Belo Monte, nem a Norte Energia, responsável pela obra, nem o Poder Público
conseguiram cumprir as obrigações definidas no licenciamento ambiental
A execução do Plano de Proteção às Terras Indígenas
(Tis) impactadas pela hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), está
atrasada em quase dois anos, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do
Índio). Parte das ações previstas já deveria ter sido realizada pela Norte
Energia e pelos órgãos públicos competentes antes da emissão da Licença de
Instalação, ocorrida em junho de 2011.
A informação foi oficialmente confirmada pela Funai
em resposta à solicitação feita pelo ISA (veja aqui), por meio da Lei de Acesso à Informação, e é
preocupante, no momento em que dados sobre o desmatamento apontam para o
aumento da devastação na área de influência da hidrelétrica, com destaque para
as Terras Indígenas do entorno da obra.
Em estudo publicado pelo Imazon em 2012, a Terra Indígena
Cachoeira Seca do Iriri aparece como a terceira Terra Indígena com maior perda
absoluta de floresta original entre 2009 e 2011 de toda a Amazônia legal. A
desintrusão e regularização fundiária da TI Cachoeira Seca do Iriri faz parte
das condicionantes que deveriam ter sido atendidas antes do início das obras,
para evitar a fragilização da TI com o adensamento populacional da região.
A intensificação das atividades de extração ilegal de
madeira confirma a previsão de aumento da pressão sobre os recursos naturais
nas TIs da região, fato que já havia sido previsto pelo próprio órgão
indigenista no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), dando origem às
condicionantes relativas à desintrusão de Terras Indígenas e ao Plano de Proteção
e Fiscalização de TIs no entorno do empreendimento.
Vale a pena destacar que a anuência da Funai à
concessão da Licença de Instalação da Usina está condicionada à implantação do
Plano de Proteção das TIs no prazo de 40 dias depois de emitida a licença, o
que nesse caso seria até 15 de julho de 2011 (veja ofício em que a Funai informa os prazos para cumprimento
das condicionantes por ela impostas).
Entre as obrigações que constam no Plano, estava
prevista a construção, até dezembro de 2012, de 12 postos de vigilância e
fiscalização nas áreas impactadas. Segundo a Funai, no entanto, até agora
apenas duas bases provisórias foram entregues pela Norte Energia, que não
atendeu aos prazos definidos por ela mesma.
“Medidas como regularização fundiária das Terras
Indígenas, desintrusão e o próprio Plano de Proteção foram definidas
precisamente para prevenir e mitigar os impactos diagnosticados, mas o atraso
desproporcional faz com que elas percam eficácia e pertinência. Dessa forma, os
danos estão se consolidando aos olhos de todos sem que nada aconteça”, opina a
advogada do ISA, Biviany Rojas.
Nem sombra do PBA Indígena
Definido como o conjunto de medidas de mitigação e
compensação de impactos, o PBA-CI (Projeto Básico Ambiental do Componente
Indígena) deveria ter sido iniciado com a própria implantação da usina. A
proposta da Norte Energia, porém, foi elaborada após o início das obras e a
Funai só a aprovou em julho de 2012, mesmo sem ter conseguido consultar todas
as comunidades impactadas.
Ainda não há previsão concreta para a contratação de
equipes e início de atividades em campo, pois há uma disputa entre a empresa e
a Funai sobre quem seria o responsável por executar as atividades previstas no
PBA-CI.
Em julho de 2012, a Norte Energia comprometeu-se com os indígenas
que ocuparam o canteiro de obras durante 21 dias a realizar a contratação
do PBA até setembro, garantindo a presença de equipes em campo a partir de
outubro de 2012. Entretanto, o Plano Operativo do PBA –CI ainda estava em
revisão para aprovação em dezembro de 2012, segundo a própria Funai.
“Não há mais nenhum argumento convincente para o
continuado adiamento por parte da empresa na implementação do PBA indígena.
Esse processo protelatório começa a parecer um artifício da Norte Energia para
economizar, para não gastar o volume de recursos que demandam mensalmente as
ações previstas no PBA que ela elaborou e que a Funai aprovou”, avalia o
coordenador e secretário executivo do Programa Xingu do ISA. “Falta um
posicionamento mais firme por parte da Funai e do Ibama sobre a empresa para
que ela coloque o PBA Indígena para funcionar”.
Obrigações do governo também não avançam
Entre as condicionantes para a implantação de Belo
Monte, a Funai também definiu que diferentes órgãos dos governos federal e
estadual deveriam se comprometer com obrigações complementares às suas. Entre
elas, a reestruturação do Distrito Sanitário Especial Indígena de Altamira
(DSEI Altamira), a formalização de um Termo de Cooperação entre a Funai e o
Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia) para
monitoramento das TIs por imagens de satélite e a adequação e modificação dos
projetos das rodovias BR-158 e a PA-167, para que elas não atravessem essas
áreas.
“Depois de 18 meses de autorizada a instalação da
obra, não se verificam avanços em ações como essas, que dependem principalmente
de articulação política dentro do governo federal ou entre este e o governo
estadual”, constata Biviany Rojas.
O ano de 2013 será o ano do pico das obras da
hidrelétrica, e a agilidade presente na construção da barragem contrasta com a
precariedade e o desdém no atendimento das obrigações socioambientais a ela
associadas e com a ausência de fiscalização eficiente.
Há mais de 14 meses que o Ibama não se manifesta
publicamente sobre a fiscalização da obra, sobre o monitoramento do cumprimento
das condicionantes e execução do PBA por parte da Norte Energia. O último
parecer do órgão licenciador é de novembro de 2011, o qual originou uma multa
de R$ 7 milhões à empresa pelo não cumprimento dos compromissos que condicionam
as licenças do empreendimento. “Provavelmente o retardo do Ibama em publicar
uma avaliação atualizada sobre o empreendimento se deva à continuidade da inadimplência
da Norte Energia em relação às condicionantes, o que obrigaria o órgão a novas
e mais drásticas sanções, o que parece ser indesejável também para o governo”,
avalia Villas-Bôas.
Apesar da falta de informação sobre o cumprimento dos
compromissos da Norte Energia e da fiscalização da obra, o BNDES aprovou
recentemente o maior empréstimo da sua história para garantir a construção de
Belo Monte com recursos do contribuinte brasileiro.
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