Brasília, 07/01/2013 – Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocupam prédio abandonado em construção, na região de Taguatinga, no Distrito Federal. Foto de Wilson Dias/ABr |
Gilvander Luís Moreira1
Muitas pessoas têm me perguntado: “Como você analisa a situação da moradia no Brasil? Você acha que esta questão tem sido tratada com prioridade pelos governos?”Respondo:Os
governos têm sido mais do que omissos. Têm sido cúmplices da bárbara
injustiça que padece sobre milhões de famílias empobrecidas nas cidades.
As grandes cidades estão sendo tratadas como empresas. Por isso
competem entre elas para ver qual atrai mais empreendimentos do capital.
A especulação imobiliária assola as cidades. Muitas áreas ocupadas
pelos pobres há décadas agora passam a ser consideradas áreas de riscos,
mas porque se tornaram áreas de ricos. O que mais ameaça os pobres não
são os riscos geológicos, mas a especulação e os riscos sociais. É um
crime que clama aos céus o imenso déficit habitacional. Há cerca de sete
milhões de famílias sem-casa no Brasil enquanto há cerca de sete
milhões de imóveis ociosos e vazios. Em Belo Horizonte, por exemplo,
falta moradia para mais de 150 mil famílias. Cinco Ocupações urbanas na
capital mineira – Camilo Torres, Dandara, Irmã Dorothy, Zilah
Sposito/Helena Greco e Eliana Silva – construíram (ou estão construindo)
nos últimos anos quase duas mil casas de alvenaria, enquanto o prefeito
de Belo Horizonte, Márcio Lacerda -, que está no PSB, mas é PSDB no DNA
– não construiu nenhuma casa para famílias de zero a três salários
mínimos pelo Programa Minha Casa Minha Vida em quatro anos de primeiro
mandato. “Uma pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho: voa, voa, mas não tem onde se assentar”,
disse-me uma mãe com lágrimas nos olhos, na Favela Massari, em São
Paulo, SP. Injusto também é Minha Casa Minha Vida através de
Construtoras. Deveria ser apenas através de Entidades idôneas que já
trabalhavam com os sem-casa. As 20 famílias do Assentamento Pastorinhas,
do MST, em Brumadinho, MG, por exemplo, receberam R$9.700,00 para
construir suas casas na agrovila do assentamento. Reuniram mais uns
R$5.000,00 e fizeram 20 casas grandes, bonitas e espaçosas. Isso
demonstra que através de autoconstrução ou em mutirão se pode construir
muito mais casas com pouco dinheiro. No Minha Casa Minha Vida, quem mais
ganha com a construção das casas, via construtoras, são as próprias
construtoras.
“Qual a saída para as famílias que não têm onde morar?”,
me perguntam muitos sem-teto. Respondo: Mágica não existe. Não há saída
fácil. Não dá para dar um jeitinho. O caminho correto a ser trilhado é
se unir, se organizar e partir para a luta coletiva. Dizem que se ficar,
o bicho come. Se correr, o bicho pega. Mas, se unir, se organizar e
partir para a luta, o bicho some. Assim expulsamos os opressores dos
pobres. A experiência das cinco ocupações, citadas acima, demonstra que
quase duas mil famílias, na luta e na raça, se libertaram da cruz do
aluguel e da humilhação da vida de favor. Estão construindo suas casas,
na luta, na raça, com garra e fé no Deus da vida, em si mesmo e nos/as
companheiros/as. Quem continuar lutando sozinho será morto aos poucos.
Não nascemos para viver em-pregado, pregado, pregado, ganhando só um
salário mínimo, que é só o sal, para renovar as energias e continuar
sendo sugado pelos capitalistas e pelo deus mercado. Não! Nascemos para
ser livres e emancipados! Ser livre é difícil, mas é necessário e
possível! Jamais os opressores podem libertar os oprimidos. Somente os
oprimidos, em comunhão, se libertam. Temos que fortalecer o sentimento
de pertencimento à classe trabalhadora que é oprimida pela classe
dominante.
Outros questionam: “Temos assistido a um aumento da repressão aos movimentos de moradia e às ocupações urbanas. Por que isso?”
Temos que entender como a Classe dominante se relaciona com os pobres:
adora os pobres enquanto esses estão ajoelhados, de mãos estendidas, se
contentando com migalhas, e, no mundo do trabalho, oferecendo seu suor e
sangue para construir tudo o que existe e movimentar a cidade. Mas
quando os pobres se unem, se organizam, metem o pé no barranco e se
rebelam como fez o povo da Bíblia escravizado pelo imperialismo dos
faraós no Egito, como fez Jesus de Nazaré ao pegar um chicote e expulsar
os vendilhões do templo, como fez Zumbi dos Palmares, Dandara, Gandhy,
Luther King, Che Guevara e tantos outros, os poderosos tremem de medo do
seu edifício da opressão se desmanchar como um castelo de areia. Por
isso fazem campanha permanente de difamação, criminalização e
satanização dos pobres e de quem luta ao lado deles. A classe dominante
sabe que precisa criar uma cortina de fumaça que impeça os pobres de
identificar seus reais algozes. Os poderosos sabem muito bem que quando
os pobres se descobrirem como classe social oprimida e identificarem
quem, de fato, são seus opressores, nesse dia, adeus opressão. As
vítimas golpeadas pelo capital não serão mais vistas como pessoas
violentas.
Nosso Deus – o Deus
solidário e libertador – está na guia do movimento popular e de todas as
forças vivas da sociedade que conspiram pela construção de uma
sociedade que caiba todos e tudo, se relacionando de forma justa e
solidária. Não podemos nos omitir diante de tantas injustiças. Não
incomoda quem fica só consolando, fazendo assistência social,
filantropia. Quem luta por justiça incomoda os poderosos e, por isso,
eles partem para ameaças. A História nos ensina: só faz história
libertadora quem anda na contramão atrapalhando o sábado. Assim
aconteceu com Jesus de Nazaré, com Gandhy, Luther King, Che Guevara,
Zumbi, Dandara, as mães da Praça de Maio, em Buenos Aires etc, mas são
esses incompreendidos e perseguidos que constroem a verdadeira história.
Somos milhões conspirando a construção de uma sociedade socialista,
justa e sustentável ecologicamente.
Algumas lideranças me pedem um conselho: “Que recado você dá para as famílias sem-teto que estão na luta para conquistar o direito humano de morar dignamente?”
Aconselho: Sintam-se abençoados/as pelo Deus da vida. A luz e a força
divina brilham em vocês! Não desanimem nunca da luta coletiva! Só perde
quem não entra na luta coletiva ou quem desiste da luta! Cultivemos a
amizade, o companheirismo, nos apoiemos mutuamente. Um fraco + um fraco +
dois fracos = quatro fortes. Se ficarmos isolados, pensando só no nosso
umbigo, só na nossa família, morreremos aos poucos, mas se nos
juntarmos, construiremos uma nova aurora, com justiça e paz, com
reformas urbana e agrária, com sustentabilidade ecológica, com direitos
humanos.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 14 de janeiro de 2013.
1Frei
e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia
pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica
pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; doutorando em Educação pela
FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do
Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: Gilvander Moreira
Originalmente publicado no site EcoDebate, 15/01/2013.
Originalmente publicado no site EcoDebate, 15/01/2013.
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