Publicado em janeiro 25, 2013 por HC
Proprietários da Usina Ester, que tenta na Justiça expulsar 68
famílias de área considerada modelo em agroecologia, são donos da
afiliada da Rede Globo em Campinas.
Por Guilherme Zocchio, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Antônio Carlos Coutinho Nogueira e José Bonifácio Coutinho Nogueira
Filho, donos da EPTV, afiliada da Rede Globo em Campinas, estão a frente
da Usina Ester, que conseguiu na Justiça Federal reintegração de posse
da área em que fica o Assentamento Milton Santos, em Americana, no
interior de São Paulo. Com a decisão, 68 famílias estão ameaçadas de
despejo no próximo dia 30. A área é considerada modelo em técnicas de agroecologia e na produção de alimentos sem veneno. A Repórter Brasil
tentou contato com ambos para obter uma posição sobre a situação por
meio da assessoria de imprensa da Usina Ester e da rede EPTV, mas não
obteve retorno. A assessoria da Usina limitou-se a informar que “aguarda
o cumprimento da decisão judicial”.
Além dos dois empresários, representantes do grupo Abdalla também
têm interesse no processo. Foram eles que arrendaram o terreno para a
Usina Ester e que hoje alegam serem os legítimos proprietários da área.
Ninguém ligado ao grupo, que foi um dos mais poderosos do estado até a
década de 1980, foi encontrado para comentar o caso.
Horta cresce no assentamento Milton Santos, que é referência em agroecologia e produz verduras, frutas e raízes (Foto: Eduardo Kimpara / Flickr (CC)) |
Nos balanços financeiros da Usina Ester disponíveis para download no site da empresa,
Antônio Carlos Coutinho Nogueira figura como presidente da companhia, e
José Bonifácio Coutinho Nogueira Filho, seu irmão, como acionista e
membro do conselho administrativo, ao lado de outros parentes. Eles
detêm a concessão de 5 veículos —duas estações de rádios e três canais
de televisão, quatro em São Paulo e um em Minas Gerais—, segundo
informações do site “Os Donos da Mídia”, que reúne informações sobre os principais proprietários de canais de mídia do país (veja o perfil de Antônio Carlos e de José Bonifácio na página do projeto).
Os irmãos José e Antônio, concessionários de mídia e acionistas da Usina Ester (Foto: Divulgação) |
Ambos são filhos de José Bonifácio Coutinho Nogueira, ex-diretor da TV Cultura que fundou em 1979
o grupo das Emissoras Pioneiras de Televisão (EPTV), conjunto de
retransmissoras da Rede Globo de Televisão no interior de São Paulo.
Além das atividades como empresário no setor de comunicações, o fundador
da EPTV também acumulou cargos e esteve próximo de figuras
significativas da política brasileira. Foi secretário de Agricultura do
Estado de São Paulo, no governo de Carvalho Pinto (1959-1963), e
secretário de Educação durante a gestão do governador biônico Paulo
Egydio Martins (1975-1979).
A concentração de meios de comunicação nas mãos de políticos ou
grandes grupos empresariais é um fenômeno recorrente no Brasil, de
acordo com Pedro Ekman, membro de entidade da sociedade civil que estuda
e trabalha sobre o direito à comunicação no país, o coletivo Intervozes.
Ele explica que, como as concessões de rádio e televisão levam em conta
muito mais um critério econômico do que social, isso tende a concentrar
os meios de mídia nas mãos de poucos grupos ou pessoas com maior poder
aquisitivo.
“A falta de uma política de redistribuição entre mais atores públicos
e privados, de diferentes estratos sociais, acaba gerando essa
coincidência entre proprietários de terras e concessionários de meios de
comunicação”, avalia.
Família Abdalla
A confusão jurídica que ameaça as famílias hoje está relacionada ao histórico do “Sítio Boa Vista”, como é conhecida a propriedade. A Usina Ester alega ter direito sobre a área por ter arrendado o terreno do grupo Abdalla, fundado pelo empresário José João Abdalla —que respondeu em vida a mais de 500 processos judiciais, segundo levantamento disponível no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre os processos está o movido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) em 1976, que conseguiu o terreno como garantia de pagamento de dívidas trabalhistas.
Do INSS a área foi repassada ao Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), onde, em 2006, as 68 famílias de camponeses
foram assentadas. O terreno estava ocupado pela plantação de cana de
açúcar da Usina Ester, mas, na Justiça Federal, o órgão conseguiu em
dezembro de 2005 garantir a implantação do projeto de agroecologia, hoje
tido como modelo no interior de São Paulo. A decisão foi revertida no
final do ano passado, quando, por meio de outro processo, a Usina Ester e
o Grupo Abdalla alegam ter quitado as dívidas que resultaram na
desapropriação e readqurido o terreno.
O grupo Abdalla figurou durante mais de 50 anos como um dos mais
poderosos conglomerados econômicos do Estado de São Paulo. Constituído a
partir dos anos 1920 pelo empresário José João, o empreendimento
manteve negócios com empresas que iam desde o ramo têxtil até bancos, na
área financeira, ou outros investimentos rurais ou industriais. Seu
fundador também teve carreira política, pela qual passou nos cargos de
vereador, deputado estadual e federal e secretário do Trabalho,
Indústria e Comércio de São Paulo, na gestão do governador Ademar de
Barros (1947-1951).
Cercados por veneno
Visto por imagens de satélite, o Assentamento Milton Santos aparece cercado por extensas plantações de cana de açúcar. Maria de Fátima da Silva, moradora da área e dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), diz que o uso recorrente de veneno pela Usina Ester prejudica até hoje a lavoura dos produtores do assentamento. “O uso de agrotóxicos na região é um dos maiores conflitos”, aponta.
Terreno onde está o assentamento Milton Santos (em roxo) está cercado pela produção de cana de açúcar da Usina Ester S/A (Fonte: Wikimapia) |
Diante da possibilidade de despejo, as famílias têm realizado
mobilizações e defendido que a presidência da República decrete a
desapropriação da área — medida que, na avaliação dos assentados, pode
reverter a reintegração de posse determinada pela Justiça Federal. No
último dia 15, terça-feira, manifestantes ocuparam a sede do INCRA em
São Paulo (SP) para pressionar o governo federal. Outros deram início
nesta semana a uma greve de fome em frente ao escritório da Secretaria
da Presidência da República em São Paulo (SP), que fica na região da
Avenida Paulista. Na quarta-feira, 23, outro grupo de assentados ocupou a
sede do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, também em São Paulo
(SP).
Segundo manifesto redigido por agricultores do assentamento, Lula foi
o “presidente da República que, em 2006, assinou a concessão do terreno
do Assentamento Milton Santos para fins de reforma agrária”. Eles pedem
que o ex-presidente interceda junto a Dilma Rousseff (PT), para que ela
assine o decrete de desapropriação da área e reverta a situação
judicial em favor do assentamento. O manifesto pode ser lido na íntegra aqui.
EcoDebate, 25/01/2013
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