(de LATOUCHE, Serge - São Paulo: Editora WMF, 2009)
Felipe E. Rodríguez Arancibia (1)
Decrescimento, a realização de uma utopia
Serge
Latouche, professor emérito de economia na Universidade de Paris-Sud
XI, é um objetor do crescimento. Esse livro foi escrito a partir da
ideia de produzir um compêndio das análises já disponíveis sobre o
decrescimento.
Dando continuidade à analise que realizou em Survivre au développement e, depois, em Le Pari de la decroissance, o autor integra novas reflexões, em particular os debates realizados pela revista Entropia.
É, portanto, uma ferramenta de trabalho útil para estudantes,
cientistas, gestores e participantes de movimentos sociais ou
políticos, em particular, do plano local ou regional.
Nicholas Georgescu-Roegen (The Entropy Law and the Economic Process,
1971) é precursor da chamada bioeconomia. Preocupado com a
sobrevivência da vida na Terra, foi uns dos primeiros em evidenciar a
relação entre a lei da entropia e os processos econômicos. Mais tarde,
estabelece o termo decrescimento (La décroissance: Entropie – Écologie – Économie, 1975), como um processo inevitável para um desenvolvimento realmente sustentável. Logo, Herman Daly (Steady-State Economics, 1977),
por sua vez, propôs a necessidade de defender a transição da economia
para um "estado estacionário", no qual a escala da produção não
excedesse a capacidade natural de suporte dos ecossistemas. Para Daly,
isso implica numa mudança de foco da politica econômica, visando um
desenvolvimento sustentável (Beyond Growth: The economics of sustainable development, 1996). Já recentemente, autores como Jean-Claude Besson-Girad (Decrescendo Cantabile: Petit Manuel pour une décroissance harmonique, 2005) e Paul Aries (Décroissance ou barbárie,
2005) trazem a discussão do decrescimento como uma proposta concreta
para uma mudança civilizacional, em resposta à crise social, politica,
econômica e ecológica. Nesse âmbito, Latouche hoje é referência. Seu
trabalho vem precedido por uma ampla variedade de publicações.
As
publicações mencionadas têm visões similares da sociedade que sofre
com a exclusão, a desigualdade, a pobreza, a devastação ambiental e os
primeiros embates do aquecimento global. É preciso repensar o nosso
estilo de vida e atentar para a premente necessidade de construção de
políticas públicas mais democráticas e participativas, no intuito de
encarar essas problemáticas. Estes são os temas centrais tratados no
livro O pequeno tratado do decrescimento sereno, de Serge Latouche.
Originalmente
publicado em francês, em 2007, o livro foi traduzido para o
português, pela editora WMF, e lançado em 2009. Está divido em três
partes principais e vários subtemas, além do preâmbulo, introdução e
conclusão.
No início,
Latouche qualifica o sistema capitalista como uma sociedade fagocitada
por uma economia cujo único fim é o crescimento pelo crescimento.
Como consequência, o sistema não quer escutar relatórios aterradores,
que alertam de se estar chegando ou ultrapassando os limites de nosso
planeta. Para enfrentar esta situação ele propõe três passos
fundamentais: "Avaliar o alcance do decrescimento, propor, como
alternativa, a utopia concreta do decrescimento, e especificar os
meios de sua realização" (p. XV).
Decrescimento é, fundamentalmente, um slogan
político com implicações teóricas, que visa acabar com o "jargão
politicamente correto dos drogados do produtivismo" (p. 4). É
importante não confundir o decrescimento com um crescimento negativo.
De fato, a diminuição do crescimento afunda as nossas sociedades na
incerteza, desemprego, abandono de programa sociais, sanitários,
educativos, culturais, entre outros. Para melhor entender o conceito, é
preciso entender também que o decrescimento não faz parte do
desenvolvimento sustentável. Ele surge para sair das confusões desse
campo.
A nossa
sociedade da acumulação ilimitada está condenada ao crescimento,
baseado na "publicidade, o crédito e a obsolescência acelerada e
programada dos produtos" (p. 17). Calcula-se que a humanidade consome
quase 30% acima da capacidade de regeneração da biosfera. Para aliviar
esta situação, coloca-se inclusive a possibilidade do "controle massivo
da população ou a redução, principalmente do terceiro mundo" (p. 31).
Contudo, o problema não é o superpovoamento, mas saber dividir os
recursos de maneira equitativa e ética. Latouche afirma que nos
encontramos, hoje, na beira da catástrofe e que é preciso uma reação
rápida e muito enérgica para mudar o rumo.
Um segundo
passo para a instalação do decrescimento é compreender que ele é uma
utopia concreta e uma proposta revolucionária para viver melhor.
Portanto, o decrescimento longe de se refugiar no irreal, tenta
explorar as possibilidades objetivas de sua aplicação, como um projeto
político. É nesse ponto que o autor faz a sua maior contribuição: uma
proposta concreta de como entrar num "circulo virtuoso" de
decrescimento sereno, representado por oito mudanças interdependentes
que se reforçam mutuamente: reavaliar, reconceituar, reestruturar,
redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar, reciclar (p. 42).
Para alcançar esse propósito ele propõe várias etapas. Primeiro, é preciso inventar a democracia ecológica local, para contrapor à periferização. Da mesma maneira, é preciso recuperar a autonomia econômica local, o que implica em autossuficiência alimentar, econômica e financeira. Finalmente, deve-se promover iniciativas locais decrescentes. Hoje, já estão sendo implementadas em coletividades locais em várias partes do mundo.
Tudo isso é
possível, inclusive, nos países do Sul. Paradoxalmente, a ideia do
decrescimento nasceu, de certo modo, na África. Para eles, o
decrescimento da pegada ecológica e do PIB não é nem necessária, nem
desejável. Porém, isso não significa que a sociedade do crescimento
deva se instalar ali. Latouche afirma que a ousadia do decrescimento
no hemisfério Sul significa provocar um movimento em espiral para
entrar na órbita do círculo virtuoso dos oito "erres" (p. 81) e, a
partir daí, romper a dependência econômica com o Norte.
Finalmente,
um terceiro passo, decorrente dos dois anteriores, é conceber a
implementação política do modelo do decrescimento. Segundo Latouche,
medidas muitos simples e, aparentemente, quase anódinas podem dar
início aos círculos virtuosos do decrescimento. Para isso, é preciso o
impulso de várias iniciativas, como: resgatar uma pegada ecológica
igual ou inferior a um planeta, integrar, nos custos de transporte, os
danos gerados pela atividade, relocalizar as atividades produtivas,
restaurar a agricultura camponesa, transformar os ganhos de
produtividade em redução do tempo de trabalho e criação de emprego,
impulsionar a produção de bens relacionais, como a amizade, reduzir o
desperdício de energia, taxar pesadamente as despesas com publicidade e
decretar uma moratória sobre a inovação tecnocientífica, para fazer
um balanço e uma reorientação das pesquisas, em função de novas
aspirações. Destaque especial é dado à redução quantitativa e
transformação qualitativa do trabalho, para devolver sentido ao tempo
liberado e levar a uma "reapropriação" da existência. Latouche não dá
maiores detalhes sobre como alcançar esse objetivo.
Assim, o
decrescimento se enquadra na concepção de uma ecologia profunda, já
que é a própria sobrevivência da humanidade que está em jogo,
portanto, um humanismo bem entendido, que nos convoca a reintroduzir a
preocupação ecológica no meio da preocupação social, política,
cultural e espiritual da vida humana.
O
decrescimento é uma das forças antissistema que mais tem avançado nos
últimos anos. Ele oferece uma proposta de mudança radical de
paradigma,que parece condizer à situação de crise estrutural que a
sociedade moderna alcançou. Essa situação merece respostas fortes e
uma virada de 180º na sociedade, tirando de foco o consumo de produtos
e resgatando os bens. É um processo de mudança, tanto no nível
individual como coletivo, em nossa relação com o meio ambiente, com o
planeta e com a vida. Como livro compêndio, ele serve para introduzir o
conceito do decrescimento de maneira prática e didática, sendo, em
consequência disso, um livro que instiga e nos instala no centro de
discussões que estão apenas começando.
(1) Mestrando em Desenvolvimento Sustentável, Centro de Desenvolvimento Sustentável Universidade de Brasília. E-mail: frodriguez@unb.br
Originalmente publicado no periódico Sociedade e Estado - vol.27, no.1, Brasília, jan./abr. 2012 - versão impressa ISSN
0102-6992
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília
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