Por
Lívia Duarte, da FASE
O
livro Relatório-Síntese do Projeto Avaliação de Equidade Ambiental como
instrumento de democratização dos procedimentos de avaliação de impactos de
projetos de desenvolvimento foi lançado pela FASE e pelo ETTERN – Laboratório
Estado, Trabalho, Território e Natureza do IPPUR/UFRJ - em duas atividades da
Cúpula dos Povos: primeiro em oficina sobre o tema na tenda da Fundação Ford.
Depois, em atividade sobre o papel da ciência na Tenda Antinuclear.
A
Avaliação de Equidade Ambiental (AEA) rompe a lógica dos processos de avaliação
feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e por empresas porque
primeiro considera a sociobiodiversidade de uma região, e também as relações
socioprodutivas, para saber que tipo de investimentos e projetos são
necessários do ponto de vista das populações locais. Já o processo de
licenciamento convencional costuma partir do planejamento de empresas ou do
governo.
O
relatório-síntese apresenta cinco casos concretos e não tem o objetivo de
definir uma nova fórmula de licenciamentos, afinal, o método compreende que os
critérios para definição do que será estudado também deve partir da
racionalidade dos grupos afetados. A FASE, em parceria com o IPPUR, acompanhou
as experiências de licenciamento de projetos das hidrelétricas de Irapé e Murta
(MG), Belo Monte (PA), Santo Antônio e Jirau (RO). Também foram estudados os
projetos de carcinicultura na costa da Bahia e monoculturas de eucalipto no
norte do Espírito Santo e sul da Bahia.
O
papel decisivo da ciência
Luiz
Novoa Garzon, pesquisador da UFRJ e membro da Rede Brasileira de Justiça
Ambiental, conta que a Avaliação de Equidade Ambiental cria mecanismos reais
para ouvir a população, como manda a legislação vigente. Com o novo método, a
região é estudada a partir do ponto de vista de quem vive no local e são essas
pessoas que definem que possibilidades devem orientar a ação do Estado para
políticas públicas em seus territórios.
Leia
a seguir trechos da entrevista sobre Avaliação de Equidade Ambiental realizada
no contexto dos debates Sobre o papel da ciência e do Estado na construção de
legitimidade em torno do modelo energético e de desenvolvimento hegemônicos da
Tenda Antinuclear.
FASE
– Há pouco você coordenava um debate sobre o papel da ciência. E na mesa, como
você, estavam outros pesquisadores. Chegaram a uma conclusão?
Garzon
- Esse papel tem sido muito deletério. O Brasil passa por um processo de
expansão baseado em um modelo de processamento de recursos naturais. Isso
demandaria da ciência brasileira também a responsabilidade sobre como os
benefícios finais desses recursos serão distribuídos. Mas o que vemos é o
contrário: uma ciência que vai à reboque, ou seja, nós estamos vendo uma
espécie de indústria de consultorias de pareceres que vão redundar em estudos e
licenças ambientais absolutamente precarizados, rebaixados nas exigências, para
que os negócios avancem e sejam acelerados.
Diante
desse cenário, as perspectivas são muito sombrias nas regiões e setores- alvo
dos maiores investimentos – e investimentos que são de origem pública, o que
justificaria, por si só, ainda mais cuidado e rigor por parte da sociedade no
que toca seus impactos. Então, é mais do que justificável que a sociedade
civil, os movimentos sociais e a opinião pública possam se inteirar desse
diagnóstico e possam vislumbrar passos concretos no sentido de estabelecer
mecanismos de controle social sobre a própria ciência.
Que
mecanismos são esses que fazem com que a ciência seja rebaixada, ou que não
chegue a fazer estudos suficientes sobre os impactos que atingiram o
meio-ambiente e a sociedade?
Primeiro
é o desmantelamento da universidade pública. Ou seja, a própria universidade
pública – a partir de seus laboratórios e departamentos – é que deveria
protagonizar estudos de forma mais plural e mais ampla possível. Ao invés
disso, o que nós estamos verificando é a falta de autonomia financeira das
universidades – e de uma política científico-tecnológica para o país. As
grandes empresas privadas é que têm financiado no varejo e no curto-prazo as
pesquisas que lhes interessam. Então, essa ciência rebaixada, produtora de
estudos e licenças absolutamente favoráveis aos empreendimentos já são parte –
e foram incorporadas – ao mundo corporativo. O financiamento é privado, o
escopo, os objetivos, as metas e a própria avaliação da cientificidade dos
estudos dessa avaliação é dado pelo mundo corporativo. Nós estamos sem instâncias
públicas de avaliação desses projetos e desses produtos científicos.
O
Ministério da Ciência e Tecnologia não tem força e nem tem isso na agenda. E
muito menos o Ministério de Meio Ambiente, que se tornou em uma espécie de
departamento, ou anexo, dos ministérios de infra-estrutura e dos ministérios
econômicos. Nós estamos diante de um grande vazio de controle social que a
sociedade precisa preencher com as suas próprias pernas, criando novos
instrumentos, novos espaços, novos fóruns de discussão. Eu acredito que este é
também um objetivo que cumpre a Cúpula dos Povos.
Suponho
que a Avaliação de Impacto Ambiental também segue este caminho, não é? Você
pode explicar como estes relatórios que foram lançados hoje foram construídos?
Os
relatórios também são uma espécie de provocação para superar e fazer a crítica,
ao mesmo tempo propositiva [do modelo de avaliação de impactos seguida hoje].
Então a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, a FASE e laboratórios
universitários, começamos a exercitar o que deveria ser um verdadeiro
licenciamento ambiental, democrático e participativo – em que as comunidades e
a sociedade de um modo geral não tivessem que escolher custos e benefícios
depois de uma opção já definida. Porque é muito perverso – e na prática se constitui
uma chantagem – você dizer que “o investimento é inegociável”, “não há outra
saída para vocês”, “não há possibilidade de geração de renda sem esse
mega-empreendimento, e agora vamos avaliar então custos e benefícios”. A
questão primeiro é: que tipo de viabilidade econômica e social nós estamos
falando? Quais outras alternativas de geração de renda são possíveis a partir
das alocações locais e regionais? E aí desenvolvemos uma metodologia minuciosa
que busca respeitar as especificidades desses locais e territórios, de modo que
o próprio saber dessas populações é que fale mais alto. Então o primeiro passo
é a busca do que deveria ser diálogo social - aquilo que a legislação
ambiental chama de escrutínio social, que o empreendimento deve ter, para que
se possa descobrir custos e benefícios.
Você
esteve envolvido na construção do relatório no que diz respeito ao processo de
licenciamento das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Poderia
nos contar a que conclusões chegou para entendermos de forma mais concreta como
funciona a Avaliação de Equidade Ambiental?
A
Avaliação de Equidade Ambiental demonstra muito claramente que o Rio Madeira –
enorme e majestoso, um dos maiores afluentes do Amazonas – é fundamental para
as comunidades ribeirinhas. Cerca de 50 mil pessoas vivem desse rio até a foz
no Amazonas, a maior parte vive da pesca. É um dos rios mais pescosos do Brasil
e do planeta. Também na vazante se usa muito a agricultura de várzea. Essas
famílias, com os seus excedentes comerciais – especialmente os da castanha e os
do açaí, mas também hortaliças e frutas – abastecem os centros urbanos do
entorno. . Então, é uma atividade econômica muito sofisticada, polivalente. Ela
tem um retorno intensivo. Isso quer dizer que não seria necessário nenhum tipo
de usina hidroelétrica para melhorar a qualidade de vida dessas famílias.
A
primeira coisa que uma AEA demonstra, portanto, é que nenhuma alternativa
locacional para a contrução de uma hidroelétrica nesse rio é viável do ponto de
vista social-ambiental. Ela só é possível e viável do ponto de vista
financeiro, abstraindo-se a sociedade do financeiro, abstraindo-se o meio
ambiente do econômico. Então essa é a diferença: o licenciamento hoje vem a
posteriori, depois de uma decisão de viabilidade econômica. O único que
procura-se fazer é alguma adequação daquela atividade econômica – que é
considerada prioritária para os grandes grupos empresarias – de modo que isso
possa transcorrer com alguma estabilidade. Mas uma estabilidade do negócio.
A
proposta de equidade ambiental não é apenas a da definição daquilo que é
cabível ou não ao território, mas – sendo cabível – que os sujeitos e que os
beneficiários finais desses empreendimentos sejam as próprias comunidades
desses territórios e não grupos externos.
Para ler o relatório em formato virtual, clique na imagem abaixo:
Originalmente publicado no site FASE - Solidariedade e Educação, 02/07/2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário