“Vale tudo o que for parente de ‘acelerar’: pagar propina,
multiplicar o custo das obras, cooptar votos no Congresso, detonar ambientes e
populações, em nome de necessidades prementes da nação. O elevado e evitável
custo dessa aceleração fica mesmo para Deus e as futuras gerações“. O
comentário é de Marcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental
(ISA), em artigo publicado pelo jornal O Globo, 05-03-2013.
Eis o artigo.
Infraestrutura é bom e todo mundo gosta. Facilita a
comunicação, o transporte, o trabalho, a assistência, o escoamento de produtos.
Melhora as condições de vida, o acesso à informação, o processo civilizatório.
Os índios apreciam a instalação de poços artesianos que lhes tragam água limpa
onde ela está ficando suja, a construção de casas, a abertura de pistas de
pouso e de vias de acesso a comunidades remotas. Assim como o uso do celular,
de sistemas de rádio e da internet.
Ocorre que implantar um grande projeto de infraestrutura
numa região remota, ecologicamente sensível e onde é precária a presença do
Estado, requer cuidados que reduzam os impactos negativos, potencializem os
efeitos positivos para os que ali vivem e diminuam os custos gigantescos dessas
obras e ainda o grau de sacrifício que o país precisa fazer para construí-las.
Não há razão para que uma grande obra não possa ser
implantada com cuidados e sabedoria em relação ao território e à população
afetada. Se pessoas terão que ser removidas, seria justo que fossem
reassentadas ou indenizadas antes da mudança. Se uma linha de transmissão vai
cruzar e impactar uma região com populações desprovidas de energia, seria
lógico que pudessem se beneficiar dela. Se pessoas serão deslocadas para a sua
construção, seria óbvio prover escolas, postos de saúde e residências para que
pudessem trabalhar em melhores condições e sem que a sua presença promovesse a
degradação das condições de vida dos habitantes anteriores do lugar.
Quando se trata de índios, que, assim como suas terras, não
são removíveis, e dependem dos recursos naturais que possuem, os impactos
diretos e indiretos de grandes obras podem trazer consequências trágicas e
irreversíveis. O que pode nos parecer ridículo diante do benefício da luz, como
um maldito bagre que não sobe barragem de hidrelétrica, pode representar para
índios a perda definitiva de uma fonte essencial de alimento saudável.
Se uma grande obra deverá provocar um rápido adensamento
populacional em região sensível, é previsível o aumento da pressão sobre os
recursos naturais e o risco de invasão das terras e da introdução de doenças,
além de outros malefícios fatais para os índios. Seria muito pretender que o
Estado estivesse presente desde antes do seu anúncio para evitar suas piores consequências?
O fato é que o planejamento socioambiental das grandes obras não avançou em nada. Ao contrário,
parece que ainda vivemos nos tempos de ditadura. Os impactos são subavaliados,
as medidas compensatórias são insatisfatórias e não são implementadas conforme
planejadas. Pior: as concessionárias não são responsabilizadas. E há quem chame
esse processo de desenvolvimento sustentável.
Nem as lições deixadas por desastradas experiências do
passado são levadas em conta pelos planejadores do futuro. Foram os casos de
Carajás, Balbina e da Transamazônica que deixaram sequelas, e chegaram a
desenvolver providências mitigatórias tardias e insuficientes. Até os
engenheiros deveriam saber que, se terras indígenas e unidades de conservação
constituem 40% da Amazônia, qualquer grande obra deverá impactá-las de várias
formas. Os projetos de engenharia bem que poderiam aprender a conversar com
elas. Preveni-las, protegê-las, beneficiá-las, incluí-las.
Mas o que conta é: “acelerar para o país (supostamente) não
parar”. O que vier no sentido de “ponderar”, será tratado como inimigo. Assim,
“índios”, “meio ambiente”, “Ministério Público”, “Tribunal de Contas” e a
própria “mídia elitista” que, a despeito de inflamados editorais em prol de
“acelerar”, noticia casos de corrupção em obras de infraestrutura emergem na
cena política como “entraves ao crescimento”.
Vale tudo o que for parente de “acelerar”: pagar propina,
multiplicar o custo das obras, cooptar votos no Congresso, detonar ambientes e
populações, em nome de necessidades prementes da nação. O elevado e evitável
custo dessa aceleração fica mesmo para Deus e as futuras gerações.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos -
IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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